Desconfio que nos desgarramos do continente. Não somos a jangada de pedra do Saramago, somos uma canoa, aquela embarcação que até hoje muito pouca gente sabe com quantos paus é feita. Mas temos, ou tínhamos, remos, leme e comandante. Cadê isso tudo? O gato comeu?
Apesar de leitora de livros policiais desde a adolescência, fiquei estupefata com tudo que li e ouvi nestes últimos dias. Os roteiristas tupiniquins são tão criativos, armam enredos tão ricos em suposições e teorias, que esta cidadã ficou siderada: não sei se me escondo em baixo da cama, ou se continuo a acompanhar o noticiário.
O Caso Daniel Dantas e Companhia Ilimitada é uma novela policial digna dos maiores prêmios literários. Primeiro, pelas cifras mencionadas. São cósmicas! Depois, pela qualidade dos heróis, nos capítulos exibidos até agora: o Delegado e o Presidente.
O delegado é uma figura. Assim como Lula, o outro herói, ele é autor de frases espetaculares. Diante do que considerou um perigo rondando o futuro Fundo Soberano, registrou: “Ante as ameaças de corsários saqueadores das riquezas de nosso país, deixo aqui registrado que o ‘amanuense’, que ora subscreve a presente peça, e por ‘cautela’ alerto aos incautos, seja de forma individual ou organizados criminosamente para tal finalidade, que estarei de prontidão comparado a um integrante da Brigada dos Tigres, fazendo um acompanhamento detalhado do futuro Fundo Soberano” (Atenção! Não fui eu que escrevi isso que acabam de ler, por favor! ‘Veja’, 16/07/2008).
Depois dessa profissão de fé, ele larga o posto para fazer o curso que permitirá sua promoção dentro dos quadros da carreira. Muito justo. Só que ninguém nos explicou porque ele teve que impetrar um mandado de segurança para fazer esse curso obrigatório. É um dos bons enigmas do enredo.
Continuando: Protógenes se afasta do caso. Dando a entender que fora afastado. O que deixou nosso outro herói aborrecido, e com razão. Mas como é do seu feitio, em vez de chamar às falas o ministro da Justiça e lhe ordenar que reconduzisse o Protógenes ao caso, ou que o levasse diante de uma câmera de TV para explicar à nação porque largava a investigação, Lula fez essa exigência para os jornalistas que sempre o acompanham, entre um compromisso e outro, falando e andando, com cara de poucos amigos, mas com aquele coração mole que tem em relação aos aloprados em geral: pediu, não mandou.
Não foi atendido. Então recorreu a outro expediente, sempre com a polidez de costume: sugeriu ao Ministro da Justiça que divulgasse a reunião em que o delegado se afasta do caso. Uma reunião de três horas foi reduzida a três minutos de áudio: Protógenes, ao contrário do que espalharam, ama o atual diretor da PF; quer fazer o curso; não quer sair do caso e quer sair do caso; seu substituto já foi nomeado. Essa transcrição veio para explicar ou, à la Chacrinha, veio para confundir?
Não é uma novela só com heróis, claro que não. É que os vilões, ao contrário do que normalmente ocorre em novelas do gênero, não são nada interessantes, são até tediosos. Amam apaixonadamente o dinheiro. Respiram, dormem, sonham, alimentam-se de dinheiro. Sabe aquele desenho animado em que nos olhos do personagem só aparece um cifrão? Pois são eles. E, ao contrário do Lula e do Protógenes, são incapazes de uma boa frase. Pelo menos até passarem uma temporada em Mônaco. Não viram o Cacciola? Voltou um bom frasista.
Vou aguardar os próximos capítulos. Pedindo a Deus que nossa canoa resista a mais essa prova, e encontre um porto seguro.
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Peço licença para contar a todos, mas especialmente aos paulistas, a homenagem que meu pai recebeu em Israel. Foi inaugurada, no dia 15 de julho, com festa, discursos e muita música, no Kibutz Bror Chail, a Casa Adoniran Barbosa. Uma exposição permanente, montada em uma pequena casa, com enorme bom gosto, e dentro de todos os padrões da moderna museologia.
Fiquei muito feliz e emocionada.
Foi a mais bela homenagem que meu Pai já recebeu.
Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa -