A saga de Maurren O salto mais espetacular da vida de Maurren Maggi
No último fim de semana, a brasileira Maurren Higa Maggi venceu a prova de salto em distância no Meeting de Madri. Foi uma vitória especial. Não pelo resultado em si, que não tem a importância do bicampeonato pan-americano. Mas por ter deixado para trás a portuguesa Naide Gomes, campeã do último Mundial Indoor de Atletismo e uma de suas principais rivais na Olimpíada de Pequim. Maurren, 32 anos, está na disputa pelo pódio com Naide e com as russas Ludmila Kolchanova, dona do maior salto de 2008 até agora, e Tatiana Lebedeva, atual campeã olímpica. Será uma briga dura. Mas se há algo que não se pode negar é que Maurren sabe superar adversidades. Em 2003, afastada das pistas em razão de um ruidoso caso de acusação de doping, chegou a desistir da carreira. Não tinha forças para continuar. "Chorava toda vez que punha o pé na pista", lembra a atleta, que venceu na Justiça Desportiva brasileira alegando uso sem intenção. Ela afirma que a substância clostebol, proibida, estava numa pomada cicatrizante. No julgamento internacional Maurren foi suspensa por dois anos. Sem condições de suportar a pressão, abriu mão da defesa quando o caso foi à Corte de Arbitragem do Esporte, última instância de julgamento. Longe do esporte, Maurren não podia nem ouvir falar em atletismo. Mergulhou de cabeça no relacionamento com Antonio Pizzonia, na época piloto de Fórmula 1 e atualmente da Stock Car. Foram morar juntos e tiveram uma filha, Sofia. "Foi o lado bom. Eu nunca interromperia minha carreira para ter filhos. Então, se não fosse esse problema, provavelmente não teria sido mãe", diz Maurren. Dois anos e meio após o trauma do doping, o fim do relacionamento com Pizzonia a fez decidir tentar a volta. "Fiquei sem saber o que fazer. E percebi que o atletismo é a minha casa, o meu lugar." Desde então vem colecionando vitórias importantes e, neste ano, se prepara para aquele que pode ser o salto mais alto de sua carreira: o topo do pódio olímpico. Maurren é uma atleta singular. A começar pelo nome, dado pelo pai beatlemaníaco em homenagem a Maureen, mulher de Ringo Starr, e registrado com grafia errada pelo tabelião de São Carlos, interior de São Paulo. Com 1,73 metro e 62 quilos, tem um físico que não lhe confere nenhuma vantagem digna de nota em relação às principais concorrentes. Nélio Moura, seu treinador há catorze anos, lembra que, quando a conheceu, a achou apenas "comum". Depois, percebeu que o grande diferencial da atleta é a perseverança. "Sua maior vantagem é psicológica, não física", diz. "Ela sabe o que quer e tem uma força de vontade incomum." A maior prova disso foi a volta às pistas, em 2006. Depois de tanto tempo sem treinar, Maurren perdera 4 quilos de massa muscular. Teve de treinar como iniciante, partindo do zero – aos 29 anos. Ela enfrentou sem reclamar treinos pesadíssimos, com tempo e carga dobrados em relação à rotina normal de uma atleta de seu nível. Em seis meses, seu desempenho melhorara tanto que Nélio decidiu inscrevê-la no GP Sul-Americano de Bogotá. Mas já não havia lugar nos vôos, e Maurren decidiu ir sozinha até o Panamá, de onde pegou um avião para a capital colombiana. A competição não era das mais difíceis. No entanto, naquele momento, foi o maior desafio de sua vida. "Prestes a saltar, pensei: ‘Meu Deus, o que estou fazendo aqui? Vou saltar menos que as juvenis!’". No fim o resultado surpreendeu até o próprio Nélio. "Quando ela me ligou e disse ‘voltei’, pensei logo que estava de volta ao Brasil, porque não conseguira chegar a tempo. Mas em seguida ela explicou: ‘Voltei a saltar. E ganhei!’ ". Maurren teve a quem puxar. William Maggi, seu pai, também é exemplo de determinação. Desde cedo apostou na carreira da filha. Como a família tinha poucos recursos – ele era torneiro mecânico e sua mulher, professora –, não hesitou em vender seu kart, a grande diversão dos fins de semana, para financiar as primeiras disputas. Pai coruja de três filhos, acompanhou as aventuras da única menina na ginástica olímpica, apoiou sua mudança para o atletismo, vibrou com as primeiras medalhas, sofreu com a acusação de doping e a viu dar a volta por cima. Os dois sempre foram muito ligados. Assim como o pai, Maurren valoriza a disciplina. Respeita horários, treina duro e não descuida da alimentação. Seu único ponto fraco é o chocolate. "Pedi ao nutricionista que me proibisse de comer qualquer coisa, menos chocolate", diz a atleta, que sonha em conhecer Xuxa e participar de um clipe de Ricky Martin. Acredita que tudo na vida se conquista com esforço. Foi assim que superou o trauma da acusação de doping e passou a considerá-lo uma oportunidade de crescimento. "Antes eu me achava muito madura, muito mulher. Hoje sei que não era nada disso. Agora, sim, estou madura e consciente. Sei o que quero da minha vida." Maurren acredita, também, na sorte. Para ajudar nesse quesito, agarra-se a dois amuletos. Um é o cachorro Leão – de pelúcia –, seu grande companheiro de pódio. O outro é Sofia, hoje com 3 anos, que mora com ela e é sua fã número 1. "Ela fala: ‘Mãe, não se esqueça de mim. Traga uma medalha’. Mas prefere a de prata, pois acha mais bonita", diverte-se a saltadora, que, aos 32 anos, cultiva esse doce dilema afirmando que qualquer uma será muito bem-vinda. "A medalha olímpica é a única que não tenho."
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