Mailson da Nóbrega
O Brasil não reúne as condições para criar o fundo soberano, isto é, superávits permanentes em conta corrente do balanço de pagamentos e/ou superávits nominais no setor público. Em países com grandes reservas de petróleo, o fundo é um meio para distribuir o seu usufruto entre gerações. É o caso da Noruega e pode ser o nosso quando da extração do petróleo recentemente descoberto.
Esse fundos costumam ter duas características. Primeira, a gestão profissional, a cargo de especialistas em mercados financeiros. As aplicações imobiliárias do fundo de Cingapura são administradas por operadores americanos em Nova York. Segunda, investimento em ativos de alta liquidez, emitidos por empresas de outros países. O fundo brasileiro investiria em ativos de baixa liquidez, de empresas brasileiras.
O ministro disse que a condição mais importante para o fundo "é o fluxo elevado em moeda estrangeira". Na verdade, o mais importante é o superávit estrutural em conta corrente. Um país deficitário pode ter fluxo financeiro elevado, como ocorreu com o Brasil em período recente, mas isso depende da conjuntura, que pode mudar. De fato, em junho, por conta das saídas de investidores estrangeiros da Bolsa, o fluxo foi quase US$ 1 bilhão negativo.
Para o ministro, o fundo será uma poupança fiscal anticíclica. Assim, "exerce uma ação antiinflacionária, pois reduz o gasto num período de aquecimento e aumenta o gasto num período de desaquecimento". Isso aconteceria se os recursos fossem mantidos à ordem do Tesouro ou investidos em ativos de alta liquidez, como no fundo fiscal do Chile e nos fundos soberanos dignos desse nome. Pela proposta, os recursos do nosso fundo iriam para ativos sem liquidez imediata: títulos do BNDES e "financiamentos de projetos estratégicos".
O fundo também seria usado para comprar moeda estrangeira, que tem alta liquidez, mas dificilmente se poderia contar com esses recursos em épocas de vacas magras. Eles estariam imobilizados em papéis lançados pelo BNDES no exterior, para os quais não há mercado secundário satisfatório.
As compras de moeda estrangeira visariam a "diminuir a pressão de valorização sobre a moeda local". Ocorre que, se o fundo servisse exclusivamente para essa finalidade, compraria US$ 8,7 bilhões. Do início de 2007 até junho último, o BC adquiriu US$ 92,8 bilhões e, mesmo assim, houve valorização cambial de 24,6%.
Não fosse o poder relativamente limitado do fundo de alterar o câmbio, o BC certamente deixaria de comprar o equivalente às aquisições do Tesouro. Isso porque sua ação visa a evitar volatilidade e não influenciar a trajetória do câmbio.
Segundo o ministro, o fundo serviria para "ampliação da ação no exterior (função estratégica)" e "apoiar o comércio exterior". Outro dia se falou em "ajudar empresas brasileiras no exterior". Esses eram os objetivos da política externa do governo Geisel. Recursos públicos foram emprestados a países da África e da América Latina e à Polônia. Financiavam obras executadas por empresas brasileiras e compras de bens exportados por trading companies nacionais. As empresas recebiam à vista e o Tesouro, a perder de vista. Muitas dessas operações resultaram em calotes.
O ministro adiantou que o fundo buscaria a "aplicação melhor das reservas". Sua rentabilidade mínima seria a Libor ( taxa interbancária de Londres), hoje de 3,4% ao ano. As aplicações das reservas pelo Banco Central em títulos de 10 anos do Tesouro americano rendem perto de 4% ao ano. Não deu para entender. A rigor, os financiamentos constituiriam um subsídio para empresas brasileiras que dele não precisam, mas dificilmente rejeitariam o apoio generoso.
O anúncio das premissas e normas do fundo mostrou que a proposta é pior do que se imaginava. Em Brasília, se ouve, todavia, que Lula e muitos membros do governo, por razões insondáveis, estão encantados com ele.