Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 12, 2008

Em se investindo Miriam Leitão

“O Brasil tem tudo, até dói”, disse-me em seu português lusitano o diretor-presidente da Energias do Brasil, António Pita de Abreu. Inevitável não lembrar a carta de Pero Vaz de Caminha. Em se plantando, em se investindo, o Brasil pode ter todo tipo de energia. “O Brasil tem vento bom, tem sol, tem rios e riozinhos em todo o país, tem gás natural, biomassa da cana-de-açúcar, tem até urânio.”

Pita acha que o Brasil deveria diversificar e estar aberto à exploração de todo tipo de energia; preferencialmente as limpas. A empresa tem uma participação numa termelétrica a carvão no Ceará, mas o empresário confessa: — Carvão tem que ser sempre residual, nós não temos interesse, buscamos fontes mais limpas, e o carvão no Brasil é de péssima qualidade.

Bom, nem tudo o país tem, mas o que ele não tem de boa qualidade não é o adequado nestes tempos de buscar uma energia de baixo carbono. Perguntei a Pita o que é um “vento bom”.

— O vento do Brasil venta numa direção só; por isso é mais fácil instalar usinas eólicas. Na Europa, o vento vem em várias direções, e é preciso fazer assim (retorce as mãos) para utilizar a força do vento.

O potencial eólico do Brasil é de 143 mil megawatts, isso é dez itaipus, mas o Brasil só produz 243 MW de eólica. Nós temos usina eólica em Santa Catarina, que produz apenas 14 MW e pode chegar a 70 MW. Gostaríamos de investir muito mais, se houvesse interesse.

O que impede o avanço, além da óbvia má vontade das autoridades energéticas do Brasil com qualquer coisa que não sejam as grandes barragens na Amazônia ou as termelétricas a combustível fóssil, é um círculo vicioso que aprisiona o vento.

— Pelo Proinfa, só se pode fazer uma eólica se comprarmos 60% dos equipamentos no Brasil, e o país não tem fornecedores em grande escala, pois não tem investimento em eólicas.

Não se investe porque não tem equipamento, não tem equipamento porque não se investe. E o Brasil pode ser grande fornecedor. Quem faz avião faz as pás de uma eólica — explica.

A Energias do Brasil, empresa do grupo EDP (Energias de Portugal) está quase desistindo de dois investimentos em termelétricas a gás natural, uma em Linhares, no Espírito Santo, e outra em Resende, no Rio. Ao todo, as duas produziriam 1.000 MW.

— Já compramos os sítios (local de instalação), já encomendamos os equipamentos e temos licença ambiental prévia, mas, neste momento, não há gás suficiente no país. Temos fornecedores de gás no exterior, mas tudo depende do interesse da Petrobras, pois é ela que transporta e tem as instalações do porto e da regaseificação. Ela não tem interesse. Já nos dispusemos a pagar o preço exigido por ela e nos comprometemos a comprar o gás da Petrobras quando, no futuro, estiver produzindo gás suficiente aqui mesmo, mas a empresa não tem mostrado interesse. Talvez tenhamos que desistir dos projetos — diz.

A Energias do Brasil está desde 1996 aqui na área de geração e produção. Tem três distribuidoras, Bandeirante, Escelsa e Enersul, mas esta última está sendo trocada por uma participação maior do que a empresa já tem na hidrelétrica de Lajeado. Sem contar essa troca de ativos, a empresa já produz 1.049 MW no país.

Mas quer crescer como geradora.

— O Brasil vai precisar de energia para crescer, e os piores anos são os próximos cinco. De 2000 para 2007, o consumo brasileiro de energia cresceu a 5% ao ano e não há qualquer razão para acreditarmos que isso será diferente nos próximos anos. Pode até ser maior — afirma o empresário.

Ele acha que o Brasil deveria trabalhar com duas metas: mais diversificação e energia mais limpa possível.

Argumenta que a eólica é mais cara que a energia hidrelétrica e a gás, mas é mais barata que a a óleo.

Pondera que é preciso considerar que os custos de transmissão são mais baixos.

Acredita também que o Brasil deveria ter uma matriz variada e descentralizada, montando um conjunto de centrais de energia alternativa e renovável perto de alguns centros de consumo.

Acha que biomassa é uma grande fonte aqui e tende a crescer. Mas não entende por que o país não aposta em outras fontes.

— A nuclear, hoje, não pode ser descartada, mas uma central demora 10 anos para ficar pronta. A eólica, em três anos, pode gerar energia. No entanto, sobre esse assunto, a energia dos ventos, eu me sinto falando no deserto.

António Pita também acha que está sendo desprezado o potencial de energia nos outros rios do país.

— É errado achar que só tem potencial hidrelétrico remanescente nos grandes rios da Amazônia. Há pelo menos 5.000 megawatts de potencial nos rios, riozinhos de todo o Brasil. Mas, para aproveitar bem, tem que se mudar a definição do que seja uma PCH (pequena central hidrelétrica). Hoje só é PCH se produzir até 30 megawatts.

Isso significa que uma de 35 é tratada da mesma forma que uma grande hidrelétrica de 3.000 MW. Se for PCH, a burocracia é menor.

Neste país que tem tanto que até dói, Pita de Abreu sabe que um recurso está em falta dramaticamente: — Para os investimentos que se tem que fazer, falta muito trabalhador qualificado.

O trabalhador brasileiro estudou muito pouco.

Saí da conversa com a sensação de que, com o que temos em extravagante abundância — sol, ventos, rios —, podemos resolver o que não temos em abundância — trabalhador qualificado —, bastando investir mais em educação. Ele tem razão: até dói ver tanto desperdício.

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