Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 12, 2008

O GLOBO EDITORIAL, Defesa do Direito

É provável que, pelo fato de ainda estarmos em processo de consolidação do regime democrático, mesmo já com 23 anos de experiência sem interrupção de liberdade, ainda haja tanta incompreensão sobre o papel do Judiciário na defesa do estado de direito. É o que se observa nos desdobramentos da tal Operação Satiagraha, da Polícia Federal, com a prisão de personagens conhecidos, e controvertidos, como o banqueiro Daniel Dantas, o empresário e especulador financeiro Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, este já processado por corrupção.

A concessão de habeas corpus pelo presidente do Supremo Tribunal, Gilmar Mendes, a pessoas condenadas a priori por parte da opinião pública, alvejadas por denúncias graves encaminhadas à Justiça pela PF e o Ministério Público, divide advogados e políticos, o que termina criando um clima de maniqueísmo na abordagem de uma questão ligada à democracia. A prisão por duas vezes de Daniel Dantas, por motivos diferentes, colocou frente a frente um juiz de instância inferior e o presidente da mais alta Corte do país, alimentando um falso confronto entre o “bem” e o “mal”, quando, a rigor, trata-se de um rito legal. Ontem, mais uma vez Dantas foi solto por Mendes, e o pior que pode acontecer é o destino do banqueiro se transformar em problema pessoal de juiz. O assunto é técnico e precisa continuar a sê-lo.

Nesse debate, ouviu-se no governo uma interpretação da ação da PF contaminada por uma visão tosca da luta de classes, inspirada em alguma vulgata marxista, pela qual a PF estaria mostrando que acabou a impunidade no país, porque ricos estariam sendo retirados da cama e algemados. Ora, a constatação de que há o equivalente à população carcerária em mandados de prisão não cumpridos — em sã consciência, não se pode dizer que são todos mandados contra banqueiros e políticos — serve para desmontar essa visão embebida de esquerdismo juvenil. A impunidade, por deficiências do sistema, é uma distorção democratizada neste país.

A questão é bem outra. A PF voltou a usar técnicas teatrais para dar realce a uma operação contra pessoas que atuam em áreas carregadas de simbolismo: mercado financeiro e política. E cabe mesmo à Justiça coibir excessos. É visível o prejulgamento numa série de análises e declarações, uma das características dos regimes ditatoriais.

Há quem confunda prisão temporária e preventiva com o recolhimento ao xadrez para o cumprimento de pena. Estender sem critério prisão temporária é ressuscitar o regime militar, quando sequer era notificada a detenção de alguém.

A PF e o MP têm é que apresentar provas consistentes e encaminhálas sem adjetivos à Justiça para o devido julgamento. E deve-se repudiar o comportamento de autoridades e agentes públicos que agem como se ainda funcionasse no Poder Executivo um tribunal de exceção contra adversários políticos.

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