Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 19, 2008

Cursos de gastronomia atraem quem nunca cozinhou

Ovo frito nunca mais

Faculdades de gastronomia atraem gente que
nunca cozinhou antes – e agora sonha ser chef


Camila Pereira

Roberto Setton
Fernando trocou o curso de engenharia pelo de gastronomia: "O começo não tem nenhum glamour"

Eles vivem de avental e galocha, cultuam o chef catalão Ferran Adrià e freqüentam restaurantes com olhar de especialista. Adoram cozinha e não conseguem ficar muito tempo longe dela – ainda que quisessem. "Virei cozinheira oficial dos amigos e da família", diz Juliana Victoriano, 24 anos, mestre em sushis e representante típica de uma nova geração de estudantes. Eles vão à faculdade estudar gastronomia, curso de dois anos de duração que, desde 1999, dá diploma de ensino superior. Em meio a tantas outras, essa graduação passou a chamar atenção pelo surpreendente aumento de matrículas. De uma lista de 423 cursos universitários, a gastronomia está entre os dez em que a procura mais cresceu nos últimos cinco anos. Segundo o novo levantamento com base em estatísticas do Ministério da Educação (MEC), entre as faculdades mais recentes ela é, de longe, a que mais atrai novos alunos: só no ano passado, o número subiu 85%. O que motiva tantos jovens a fazer essa escolha diante de tanta opção? Além de algum apreço à culinária e uma alta tolerância às mazelas da cozinha, eles seguem esse caminho respaldados por um dado bastante promissor sobre o mercado: 98% dos alunos se formam com emprego garantido – muitos deles com mais de uma oferta de trabalho. Um contraste em relação à média dos cursos superiores, nos quais o porcentual de estudantes que recebem propostas às vésperas da formatura não chega a 50%.

Tornar-se um chef de cozinha não é tão fácil nem propriamente glamouroso, como revela a experiência desses jovens. O salário inicial de um auxiliar de cozinha gira em torno de 1.000 reais e as funções incluem lavar verduras e cortar carnes até altas horas da madrugada – tarefa que resultou em uma coleção de pequenos cortes nas mãos já calejadas do estudante Fernando Campana, 19 anos. O currículo do rapaz surpreende pelo ecletismo. Depois de estudar seis meses de engenharia mecânica, Fernando tomou coragem de abandonar tudo e matriculou-se no curso de gastronomia do Senac. Ele explica: "Eu me divirto mais com cozinha do que com engenharia e ainda posso ganhar dinheiro assim". Um dos objetivos desses estudantes é chegar a chef de cozinha num bom restaurante, onde se pagam os melhores salários. O curso não é decisivo para que consigam o posto, mas funciona como porta de entrada. Embora em alguns dos melhores restaurantes do país os chefs não tenham passado pela sala de aula, nos escalões mais baixos eles começam a ser numerosos. A maioria entra como estagiário, depois de sobreviver a competições semelhantes às de uma grande empresa. No princípio, chamam atenção pela falta de destreza na execução de tarefas fundamentais. Diz o chef francês Erick Jacquin, que contratou seis deles: "A faculdade dá apenas as noções básicas. É só na prática que os estudantes aprendem a cozinhar de verdade".

Felipe Varanda
Fabiano Accorsi
Aos 49 anos, a estudante Aparecida voltou à faculdade para concretizar o sonho de aprender receitas sofisticadas. Segundo o chef Erick Jacquin (à dir.), gente como ela chega a seu restaurante apenas com noções básicas de culinária: "Só a prática faz um bom cozinheiro"

Muitos também procuram os cursos de gastronomia sonhando abrir um restaurante. Estão impulsionados pelos bons números da economia. Esse é um mercado que cresce, em média, 15% ao ano. Fenômeno típico de países em que a renda aumenta e as pessoas passam a comer fora de casa com mais freqüência. No Brasil, 26% do orçamento gasto com alimentação é usado em restaurantes. E o número tende a aumentar. Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos esse porcentual já é de 47%. Mesmo com um cenário favorável, só ficam de pé os negócios bem administrados – e é aí que a faculdade pode fazer alguma diferença. O que a distingue de qualquer outro curso de culinária, afinal, são aulas nas quais os alunos aprendem noções básicas de contabilidade, logística e marketing, fundamentais para quem começa um negócio do zero pela primeira vez na vida.

O interesse despertado por essas faculdades (inclusive entre jovens que mal sabiam fritar um ovo) se deve ainda a um novo status conferido à gastronomia no país ao longo das últimas três décadas. Panelas e jogos de facas deixaram de ser associados a uma tarefa enfadonha delegada às donas-de-casa para se tornar objetos de desejo e diversão pelos quais se pagam fortunas. O ganho de prestígio da cozinha começou com a chegada ao Brasil de chefs franceses como Claude Troisgros e Laurent Suaudeau, pupilos de Paul Bocuse, este alçado à condição de gênio da espécie. Sob influência deles, as receitas ficaram mais sofisticadas e as pessoas passaram a cultivar o hábito de comer bem. Foi também decisiva a abertura do mercado brasileiro para artigos importados (e as trufas, os queijos e as ervas finas que se seguiram a isso). A culinária chique se tornou mais acessível – e gente como a paulista Aparecida de Lima começou a desenvolver gosto pela coisa. Aos 49 anos, ela, que já tem diploma de filosofia, ingressou na faculdade de gastronomia em busca de uma nova ocupação. A filósofa resume o estado de espírito de seus colegas: "Quero criar pratos e aprender receitas sofisticadas. Feijão com arroz, nem pensar".

Com reportagem de Milena Emilião

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