Há anos o governo destina às Forças Armadas um orçamento suficiente para o pagamento dos gastos com pessoal - e até para permitir o aumento dos efetivos militares -, mas é extremamente avaro quando se trata de prover os meios para reequipamento, manutenção e treinamento. Durante um longo período, também foi "normal" faltar recursos para a compra de fardamentos e de "rancho", o que determinava expediente de meio-dia nos quartéis e fim antecipado do período de engajamento dos recrutas. Funcionando assim, com tal precariedade de meios, é claro que as Forças Armadas não poderão, numa emergência, cumprir com eficiência os seus deveres constitucionais.
Essa situação está claramente exposta em documento encaminhado há dias ao Congresso pelo Comando da Marinha, mas que se aplica às demais Forças. "A atual condição de aprestamento já representa uma perigosa redução da capacidade do sistema de defesa nacional, o que limita significativamente as opções do País para fazer frente a crises político-estratégicas", adverte o documento. "A perda de credibilidade da capacidade dissuasória nacional tende a fragilizar a política externa brasileira em todos os foros de atuação e decisão", conclui.
Não faltam números para demonstrar o estado de sucateamento a que chegaram as Forças Armadas. Na FAB, das 719 aeronaves possuídas, apenas 267 estão voando, enquanto 220 estão nos parques de manutenção. As restantes 232 estão no chão por falta de recursos para compra de peças. A FAB não tem mísseis ar-ar de médio alcance, mísseis ar-superfície, helicópteros de ataque e bombas inteligentes - equipamentos que constam dos inventários do Peru, Venezuela e Chile.
Na Marinha, menos de metade dos navios de combate está em condições de uso, e assim mesmo com restrições operacionais. Nos próximos três anos, 17 navios - ou 20% da frota - terão de dar baixa. O caso da corveta Barroso mostra em que pé está o programa de reaparelhamento da Força Naval: em construção há mais de dez anos, quando, um dia, ficar pronta estará tecnologicamente defasada.
A artilharia antiaérea do Exército, por falta de recursos para manutenção de computadores e componentes eletrônicos, tem capacidade de mira e disparos apenas manuais. Carros de combate produzidos na década de 1970 estão sendo reformados. Estão sendo comprados tanques de segunda e terceira mãos, enquanto o Chile compra a última geração do mesmo equipamento. Faltam recursos para a reposição de munição e há veículos em serviço que saíram da fábrica há mais de 30 anos.
As Forças Armadas brasileiras perdem hoje, por qualquer critério de comparação, para as do Chile, Peru e Venezuela, em termos operacionais. Essa situação não condiz nem com as pretensões do governo Lula de liderar a região nem com o cenário estratégico regional, crescentemente instável. A Venezuela de Hugo Chávez, por exemplo, desenvolve um programa de rearmamento, com modernos equipamentos russos, e uma política de confrontação capazes de desequilibrar a região. Há dias, ameaçou intervir militarmente na Bolívia para garantir o governo Evo Morales. De tempos em tempos, reivindica a região do Essequibo, equivalente a dois terços da Guiana. A situação na fronteira norte inspira cuidados.
O presidente Lula ignorou as advertências do então ministro da Defesa José Viegas sobre a iminência de um apagão aéreo e, quatro anos depois, deu no que deu. Agora, os comandantes militares alertam para algo vital para o País: o sucateamento das Forças Armadas e as trágicas conseqüências que daí podem advir. É bom ouvi-los.