O governo brasileiro deu mais um passo para entregar o Mercosul ao presidente venezuelano Hugo Chávez e para sujeitar a seus caprichos e interesses a diplomacia comercial de Brasília. A bancada governista conseguiu fazer aprovar na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados o ingresso da Venezuela no bloco formado, até agora, por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A proposta de lei será votada no plenário da Casa e depois será submetida ao Senado, podendo, portanto, ser derrubada. Mas isso dependerá de um duro trabalho da oposição. A insistência do governo e as alegações dos governistas a favor do projeto são sinais de péssimo agouro não só para a diplomacia econômica, mas também para o futuro político da região. Quem aceita os objetivos e os métodos de Chávez e as suas milícias como democráticos poderá aceitá-los também no Brasil e noutros países da região.
A avaliação dos interesses comerciais pelos deputados petistas está à altura de sua avaliação política. “Em vez de tratar de assuntos internos da Venezuela, o que está em jogo é um grande mercado da América Latina, com efeito concreto no desenvolvimento brasileiro”, disse o deputado Maurício Rands (PT-PE). O comentário é duplamente errado. Em primeiro lugar, a qualidade do regime político da Venezuela não é apenas um assunto interno, quando está em jogo o Mercosul. Ao criar o bloco, os quatro países fundadores assumiram o compromisso de respeitar uma cláusula democrática. Essa regra vale, em princípio, para a admissão de qualquer sócio. No caso da Venezuela, há motivos mais que suficientes para se adotar, no mínimo, uma atitude cautelosa e de espera. Segundo ponto: como falar sobre vantagens comerciais vinculadas ao ingresso do quinto sócio, se os detalhes técnicos da adesão ainda não foram discutidos? E não foram discutidos porque o governo venezuelano preferiu adiar a discussão do assunto.
Além disso, as condições definidas até agora são vantajosas somente para o lado venezuelano. A maioria dos produtos da Venezuela entrará no Brasil sem tarifas a partir de 2010. Os do Brasil terão entrada livre no mercado venezuelano a partir de 2012. A Venezuela recebeu prazo até 2014 para adotar a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Até agora o governo do presidente Chávez não formalizou a aceitação desse instrumento, característico de uma união aduaneira.
O presidente venezuelano pretende ter um Mercosul moldado segundo suas conveniências e nunca escondeu esse fato. Ao contrário, deixou clara sua intenção de liquidar o velho Mercosul e organizar um novo, de acordo com seus critérios. O governo petista e seus partidários no Congresso devem julgar a aceitação desses critérios um avanço para o Mercosul. Devem estar ansiosos para depender da opinião de Chávez quando quiserem negociar com a União Européia ou com os Estados Unidos, ou até mesmo - quem sabe? - quando tiverem de fazer os acertos finais na Rodada Doha. Mas para isso não precisam de um novo sócio no Mercosul: basta telefonar a Chávez e pedir sua orientação.
O ingresso da Venezuela no Mercosul não trará nenhum ganho para o comércio brasileiro. O comércio bilateral tem crescido e poderá continuar crescendo, se o governo de Caracas não inventar uma barreira. Além disso, uma eventual barreira será passível de contestação na Organização Mundial do Comércio.
A carta enviada à comissão por 13 governadores do Norte e do Nordeste, com apoio à admissão da Venezuela, não altera nenhum desses fatos. Nenhuma empresa desses Estados está proibida de exportar para o mercado venezuelano, hoje, nem estará em melhores condições para exportar, se aquele país for admitido no Mercosul como sócio pleno. Tampouco o projeto de um investimento conjunto da Petrobrás e da PDVSA, para construção de uma refinaria em Pernambuco, deve depender desse ingresso, se o assunto for tratado em termos estritamente empresariais. Se interesses de outra ordem forem levados em conta, a Petrobrás deverá explicações tanto aos acionistas privados quanto aos brasileiros em geral, seus acionistas por intermédio do Tesouro.
Neste momento, a admissão da Venezuela no Mercosul envolve riscos muito sérios e muito maiores que os benefícios previsíveis. Ainda há tempo para se evitar o erro.