Interina - Débora Thomé |
O Globo |
25/10/2007 |
O trajeto - que normalmente dura 15 minutos - transformou-se em duas horas e meia, com direito a duas horas num táxi parado no trânsito e mais meia hora no metrô lotado. Quem vinha de locais mais distantes chegou ao absurdo desumano de demorar cinco horas para chegar ao trabalho. Muitos que queriam ir de São Paulo para o Rio também não conseguiram. Reuniões foram adiadas. Pessoas deixaram de viajar. Aulas foram canceladas. Empregados não chegaram ao trabalho. A economia carioca praticamente parou por causa da chuva; melhor dizendo, por conta do despreparo em lidar com o fenômeno. A chuva que se abateu sobre o Rio ontem causou deslizamentos, morte e o fechamento, pelo menos por quatro dias, de uma das principais ligações da cidade: o Túnel Rebouças. Aí começou tudo. Quando o túnel, por onde passam mais de 190 mil veículos por dia, teve que ser fechado, o trânsito parou; e a cidade parou junto. Os custos financeiros desta quarta-feira foram - e ainda serão - sentidos não apenas nos cofres públicos, com a necessidade de várias obras. Também o comércio revelou que, em dias assim, quando a cidade pára, as vendas despencam. Não é nada razoável que uma cidade pare quase completamente por causa da chuva - mesmo que ela não tenha sido uma simples garoa. O efeito caótico que tomou o trânsito revela falhas graves em todo o sistema de transporte. Dá mostras claras de opções erradas que foram feitas e abre a possibilidade para se pensar melhor sobre o modelo escolhido. Os números mostram que o Rio de Janeiro é hoje uma cidade que faz uso amplo do transporte público; cerca de 70% das pessoas não vão de automóvel próprio para o trabalho. A princípio, é uma boa notícia. No Rio, existem cerca de 1,6 milhão de carros, uma taxa de 300 por 1.000 habitantes, que ainda é considerada não alarmante. No entanto esse é apenas um dos ângulos do retrato. Olhando para o mundo, o Rio é, entre as cidades grandes, uma das que têm o pior sistema de metrô. As linhas são apenas duas e chegam a poucos bairros pobres, que são os que mais precisam de transporte público. O trem é importante, mas também poderia ser mais e melhor utilizado. Assim sendo, os habitantes acabam preferindo se deslocar de ônibus ou em vans - piratas ou não. O efeito dessa grave deficiência no sistema de transporte é perverso. Sem acesso fácil, rápido e barato ao trabalho, as pessoas de menor renda, que, portanto, costumam morar em áreas afastadas, acabam tendo mais dificuldade de conseguir empregos melhores. No Rio de Janeiro há um outro efeito, bastante conhecido: a favelização. Certamente um dos fatores que contribuem para o crescimento das favelas é a proximidade delas em relação ao "mercado consumidor de serviços". Como se sabe, a maioria dos empregadores prefere ter funcionários que morem perto, pois isso reduz o gasto com passagem e diminui atrasos. É enorme o tempo que os empregados levam diariamente para chegar até o local de trabalho. Na região metropolitana de São Paulo, segundo dados do IBGE, 21% dos habitantes demoram mais de uma hora de casa ao trabalho. Entre os cariocas, o número é um pouco menor, mas ainda alto, 18% deles gastam tempo superior a uma hora. Várias pesquisas indicam que o acesso a um sistema de transportes eficiente é um fator bastante importante quando se trata de combate à pobreza. Um estudo do Banco Mundial comenta que projetos de melhoria nos transportes ajudam a mudar a situação da população de baixa renda, aumentando suas oportunidades; e também significam crescimento para o país. Em qualquer grande cidade do mundo que se preze, é o metrô quem faz a maior parte do trabalho. Em Nova York, Paris, Londres, ou mesmo na Cidade do México ou Buenos Aires (para citar irmãos emergentes), as linhas cortam a cidade de forma lógica e permitem o transporte civilizado e democrático. Um dos argumentos mais usados para justificar o metrô meia-boca que temos por aqui é o de que seria difícil ampliar as linhas em cidades como Rio e São Paulo por causa do volume de obras necessárias num espaço que já está todo cheio de construções. Mas essa explicação é refutada pelo professor de engenharia de transportes Paulo Cezar Ribeiro, da Coppe/UFRJ: - Em Londres ou Paris, continuam sendo feitas novas linhas de metrô. E essas são cidades, como se sabe, que já estão todas construídas. O metrô é a solução para qualquer cidade. Se o problema do sistema de transporte é sério no Rio, em São Paulo ele é ainda maior. De fato, lá existem mais linhas de trem e de metrô, mas elas não têm sido suficientes para mudar o modelo que, além de causar recordes diários de engarrafamento, é altamente nocivo ao meio ambiente. Para se ter uma idéia, a taxa paulistana é de 500 carros por 1.000 habitantes. O volume máximo que uma cidade é capaz de agüentar. A chuva, ninguém discute, é um evento natural. Mas, se os cientistas estão certos, as cidades precisam estar mais bem preparadas para enfrentar grandes intempéries. O sistema todo precisa ser revisto. |
Entrevista:O Estado inteligente
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