O Estado de S. Paulo |
23/10/2007 |
As desculpas são as mais variadas e as mais esfarrapadas possíveis. De uma hora para outra começaram a surgir no Senado argumentos que funcionam como uma espécie de habeas-corpus preventivo e coletivo para um acerto em torno da absolvição de Renan Calheiros em troca da renúncia definitiva da presidência. De repente, não mais que de repente, o senador Jefferson Péres, durante os últimos cinco meses um dos mais severos intérpretes do conteúdo das denúncias que pesam contra Calheiros e relator de um dos processos por quebra de decoro parlamentar, não encontra mais motivos concretos para pedir a condenação. De repente, não mais que de repente, a antiga recusa do usineiro João Lyra (sócio de Calheiros na compra de duas rádios e um jornal por intermédio de laranjas) se faz requentada, apresentada como uma grande novidade e um dos impedimentos-chave para obter provas para sustentar o relatório de condenação ou absolvição de um dos processos. Lyra sempre disse que não aceitava fazer depoimento público. Alega problemas de saúde, que podem até ser verdadeiros, mas tem principalmente problemas com questionamentos sobre sua, digamos, biografia, em transmissão direta via televisão. Isso sempre foi de conhecimento do Senado, mas agora é dito como se fosse fato novo. De repente, não mais que de repente, o tom geral no Senado é bastante mais ameno em relação a Renan Calheiros. Ele, que há uma semana era tido como figura abjeta, massacrado em sessão aberta por seus pares, passa a ser visto como alguém muito razoável que, afinal de contas, tomou a iniciativa de se retirar e permitiu a volta do reino dos céus ao Senado. De repente, não mais que de repente, desapareceu aquela certeza de que os processos dos laranjas e do esquema de propina nos ministérios do PMDB eram os mais complicados e definitivamente comprometedores. Sumiu também a indignação com as espionagens sobre outros senadores e com o fato - tido antes como incontornável - de o abuso das prerrogativas do cargo durante o processo de defesa por si só configurarem quebra de decoro parlamentar prevista na Constituição. Passou-se a discutir abertamente - em plenário, da tribuna, ao microfone, diante das câmeras - a sucessão no Senado, tomando-se a licença como renúncia consumada e, de maneira sub-reptícia, consolidando o ato como punição suficiente. Ora, se é assim, então toda aquela guerra contra o senador Renan Calheiros foi injusta e ele tinha razão de se reclamar inocente, já que as alegações sobre falta de provas ocorrem sem a ocorrência de investigações que pudessem ter mudado o quadro. Ou, então, teremos de ficar com a hipótese de que ao Senado não interessava apurar realmente nada. Tratava-se de salvar a aparência do colegiado. Tirando o bode da sala,mas sem tirá-lo de casa. Inseguranças O governador de Minas, Aécio Neves, nunca admitiu publicamente a possibilidade de trocar o PSDB pelo PMDB, mas, discretamente, fez sondagens sobre essa hipótese entre os amigos pemedebistas. Foi desaconselhado pela maioria. Às vésperas do fim do prazo de filiação para os candidatos às eleições de 2008 e já no ambiente conturbado pelas decisões da Justiça restringindo a liberdade para troca de partidos, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, defensor público da transferência de Aécio, telefonou para o mineiro e cobrou uma definição. Na sala estava também o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, ex-tucano como Cabral. Conversas foram e vieram, chegaram os três à mesma conclusão: melhor Aécio Neves ficar onde está. Por dois motivos primordiais. A insegurança jurídica em função do risco de perda de mandato e a insegurança política provocada pela própria natureza, digamos, confusa, do PMDB. Nada lá é garantido. Por mais que Aécio não seja Anthony Garotinho nem Itamar Franco, os exemplos foram lembrados como legítimos “cases” de candidaturas prometidas e depois devidamente inviabilizadas mediante humilhações de monta, emblemáticas sobre o modo pemedebista de administrar interesses. TV pública Um grão-tucano já avisou a um grão-governista que a proposta de criação da televisão pública, por medida provisória, não passa no Congresso. Vai render desgaste a discussão sobre as reais intenções do governo ao imprimir caráter de relevância e urgência (a implantação a toque de caixa reforça os argumentos dos que vêem na TV o uso de mais um instrumento político para uso eleitoral) a um assunto que pode ser relevante, mas não é de forma alguma urgente, dada a existência de emissoras de rádio e televisão estatais, e ainda há grande chance de desorganizar a já desorganizada base governista. A TV pública é um projeto que une, mobiliza e encanta o PT, mas não necessariamente provoca as mesmas emoções em grande parte dos outros 10 (numa contabilidade conservadora) partidos da base aliada. E para a oposição, musculosa no Senado, seduz sobremaneira a idéia de derrubar a MP. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, outubro 23, 2007
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