Menos destaque mereceram outras palavras da ministra, sobre a tramitação da emenda constitucional que prorroga a CPMF até 2011. Elas podem ser lidas como marco de uma (boa) mudança de mentalidade de membros da elite petista. A partir do momento em que, alçados ao primeiro escalão de governo, viram-se diante do imperativo de resolver questões concretas e prementes da economia e da sociedade brasileira, os melhores deles não puderam fugir à constatação de que, em relação aos problemas da vida real, os dogmas ideológicos pelos quais se guiaram no passado se revelavam mais do que um peso morto - uma receita segura para piorar o que precisa ser melhorado.
Segundo uma versão, as palavras de Dilma foram: "Nós somos, nós teremos de ser um governo melhor do que a atual oposição foi. E a atual oposição tem que ser uma oposição melhor do que nós fomos." De acordo com outro relato, ela disse: "Nós, no passado, sem sombra de dúvida cometemos alguns equívocos. A antiga oposição é governo, e a atual oposição foi governo, e é isso que daqui para a frente levará a esse círculo virtuoso em que todos são responsáveis pela condução do Estado." Observarão os céticos que os petistas, principalmente os que habitam a Esplanada dos Ministérios e o Palácio do Planalto, só se lembram dos "alguns equívocos" que cometeram - as sistemáticas tentativas de desestabilizar a presidência Fernando Henrique - por deslavado oportunismo.
Ao exortar a oposição a ser melhor "do que nós fomos", é evidente que a ministra fez a tucanos e "demos", como falou Lula, pejorativamente, um agrado calculista. A óbvia intenção é dissuadi-los de inviabilizar a prorrogação do imposto do cheque já a partir do primeiro dia de 2008. Nesse sentido, as palavras de Dilma complementam, no plano do discurso, o trabalho prático dos seus colegas na Fazenda, Guido Mantega; no Planejamento, Paulo Bernardo; e nas Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia. Como se sabe, o presidente os incumbiu de fechar um acordo com a oposição para aprovar a CPMF no Senado, onde o governo não tem, segundo todas as estimativas, os 49 votos necessários, em duas votações, para atingir o seu objetivo.
Mesmo assim, não se pode relegar à mera retórica a referência de Dilma ao desejável círculo virtuoso que adviria do fato de que, tendo ambas as partes conhecido os dois lados do balcão da esfera pública, estariam dadas as condições para que se considerem "responsáveis pela condução do Estado". Além de se respaldar na realidade de que a oposição de ontem é o governo de hoje, e vice-versa, essa idéia de convergência, situada no centro da argumentação da ministra, tem ainda outra sustentação objetiva. Por vias para lá de tortuosas e por menos que os respectivos quadros dirigentes o admitam de público, tucanos e petistas traçaram na paisagem brasileira uma linha de continuidade que não se limita - como se fosse pouco - aos princípios da gestão macroeconômica.
Também na educação e nas políticas de transferência de renda, por exemplo, as diretrizes gerais de uns e outros pouco diferem no essencial, quanto mais não seja porque o governo de hoje, com esse ou aquele palavreado, levou adiante o que o de ontem começou. "Herança maldita" foi somente um desesperado recurso de palanque para Lula tentar justificar os seus obscuros tempos inaugurais no Planalto. Em privado, intelectuais petistas prevêem que, para a futura historiografia brasileira, os 16 anos a contar da primeira posse de Fernando Henrique até o encerramento do segundo mandato de Lula serão vistos como um único período. É onde se encaixam as declarações da ministra Dilma Rousseff.
A insistência de Lula em atacar FHC é uma forma, consciente ou instintiva, de disfarçar essa realidade.