Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 23, 2007

O gringo bem que avisou



editorial
O Estado de S. Paulo
23/10/2007

Não foi por falta de aviso. O alerta partiu, há alguns anos, do principal negociador comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick. Os chineses vêm aí, disse ele, e os brasileiros estarão mais protegidos se tiverem um acordo comercial com os Estados Unidos. O governo brasileiro preferiu menosprezar a advertência e torpedear a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). No começo de 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva completava o primeiro ano de mandato, as possibilidades de acordo já estavam esgotadas, graças a um esforço bem orientado pelos novos estrategistas internacionais do País. Seria inevitável, provavelmente, algum estrago causado pela concorrência chinesa, mas poderia ter sido menor.

O balanço recém-preparado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e divulgado em primeira mão pelo Estado, nessa segunda-feira, vale uma boa reflexão sobre as ilusões diplomáticas do petismo.

No ano passado, o Brasil perdeu para a China mais de US$ 1 bilhão em vendas para o mercado americano, de acordo com o estudo. Pode haver alguma discussão sobre quem perdeu para os chineses, mas um ponto está fora de dúvida: as importações americanas de todo o mundo cresceram, mas as compras de produtos chineses cresceram muito mais velozmente. Entre 2002 e 2006, a fatia chinesa nas importações dos Estados Unidos cresceu 44,4%, passando de 10,8% para 15,6%. No mesmo período, a fatia brasileira ficou em 1,4%. Obviamente, as vendas brasileiras só se mantiveram nessa proporção porque cresceram em valor absoluto.

Mas isso significa, também, que os produtores brasileiros apenas acompanharam, sem novos ganhos, a generosa expansão do comércio americano. Os concorrentes conseguiram ganhar mais com a prosperidade dos Estados Unidos, ou por serem mais competitivos ou por terem acesso facilitado ao maior dos mercados.

Os brasileiros podem ter sido prejudicados pelo câmbio. O real está valorizado em relação ao dólar, enquanto o yuan continua subvalorizado. Mas isso é apenas uma parte da história.

Os brasileiros poderiam, com certeza, ter enfrentado com melhor resultado os chineses e outros concorrentes, nos Estados Unidos, se tivessem negociado melhores condições de acesso para a indústria brasileira. Mas isso não foi feito, em parte por culpa da indústria, em parte por culpa do governo, empenhado, como declarou mais tarde o presidente Lula, em tom triunfal, em liquidar a Alca.

Quando as entidades da indústria decidiram adotar uma posição mais claramente favorável a um acordo, já era tarde. Essa mudança ocorreu na reunião ministerial de Miami, no final de 2003, mas as condições da negociação já se haviam deteriorado e nos meses seguintes também os americanos começaram a criar dificuldades.

O Brasil falhou também nas negociações com a União Européia. No caso da Alca, o projeto foi afundado por uma ação proposital dos governos brasileiro e argentino. No caso da União Européia, o que faltou foi um mínimo de entendimento razoável entre os governos da região - principalmente os do Brasil e da Argentina. Prevaleceu a política defensiva.

Além disso, os dois governos negociaram como se pudessem obter benefícios apenas para o agronegócio. Não conseguiram concessões nessa área, não fizeram nenhum acordo e não houve nenhuma tentativa de abrir espaço para os setores industriais com maiores problemas de acesso. Novamente o campo ficou inteiramente livre para chineses e outros.

O Itamaraty tem alardeado que a América Latina superou os Estados Unidos, nos últimos anos, como mercado para produtos brasileiros. Mas isso não ocorreu apenas porque se expandiu o comércio do Brasil com os parceiros latinos. Ocorreu também, e talvez principalmente, porque o País perdeu oportunidades enormes de vender mais aos Estados Unidos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acaba de elogiar o plano de reorientação do Banco Mundial apresentado por seu novo presidente, Robert Zoellick. O País teria ganho se o governo tivesse levado a sério suas palavras quando negociava acordos comerciais em nome dos Estados Unidos. Há alguns anos, o presidente Lula o chamou de sub do sub do sub. Foi um momento de glória diante da claque petista.

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