Mailson da Nóbrega
A aceitação do lucro ainda é baixa entre nós, especialmente se os ganhadores forem os bancos. Conhecido colunista inquinou de "narrativa irônica" a que descreveria um país em que um governo de esquerda "chega à metade do seu mandato entre foguetes dos bancos, que nunca lucraram tanto".
Ora, dir-se-ia, se a economia vai bem, é de se esperar que a indústria produza mais, os hotéis tenham mais hóspedes, os aviões andem mais cheios, os supermercados vendam mais e assim por diante. Logo, as empresas em geral - e não apenas os bancos - ganham mais.
Nesse campo, poucos superam o famoso procurador Luiz Francisco de Souza, autor de um livro com idéias alucinadas, como a de que "não é admissível, no prisma ético, que existam fortunas privadas" em meio a proletários.
Lula se livrou dessas visões infantis. Pragmático, manteve a política econômica e festeja a sua opção. Politicamente esperto, alardeia que tudo mudou. O presidente tem convicções ausentes na classe política, como a de que o Banco Central deve ter autonomia operacional. Seu governo poderia gerar melhores resultados, mas lhe cabe parte do crédito por esses bons momentos.
Mais do que os nossos políticos e certa esquerda, Lula entendeu o papel do lucro. Em entrevista à Folha de S. Paulo (14/10/2007), se disse satisfeito com a sua relação com o empresariado. "Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca." Isso não o incomoda? "Não. Com eles ganhando mais dinheiro, vai ter mais investimento, mais geração de emprego, mais salário. Quando estão mal, o resultado é mais desemprego, mais miséria."
O nosso anticapitalismo não é privilégio do colunista e do procurador. É o que se vê na excelente obra de Alberto Almeida (A cabeça do Brasileiro, Editora Record): 51% acham que os bancos têm que ser estatais e 68% acreditam que as estradas devem ser responsabilidade do setor público, malgrado o deplorável estado das rodovias operadas pelo governo federal. Almeida sustenta que essas visões arcaicas vão se tornar minoria, mas a mudança, que se dará via educação, vai demorar.
Profundo conhecedor da realidade brasileira, o ex-presidente Fernando Henrique também reconhece essa forma de pensar, embora registre os avanços do Brasil (em parte, digo eu, por conta de seu governo). Em entrevista à revista Exame (10/10/2007), FHC disse que "o brasileiro gosta de Estado", assinalando que "o Congresso está cheio de gente contrária ao capitalismo. Não que sejam socialistas, são contra o espírito do capitalismo".
Visões anticapitalistas mais extremadas podem ser encontradas em correntes do PT e no MST. Os primeiros ainda crêem que o socialismo pode ser reinventado e os últimos não conseguem enxergar os auspiciosos benefícios do agronegócio para a geração de produto, renda e emprego, preferindo ações tendentes a destruí-lo.
Para quem perde o sono com essas idéias e teme que o PT consiga manipular a opinião pública para garantir um terceiro mandato para Lula (um risco próximo de zero), é preciso dizer que propostas folclóricas e idéias fora do lugar, como as professadas por nossos anticapitalistas, também aparecem nos mais incríveis lugares, inclusive naqueles onde o capitalismo e idéias modernas triunfaram.
É o caso do candidato a presidente dos Estados Unidos, o deputado federal texano Ron Paul, que submeteu ao Partido Republicano uma plataforma libertária na qual defende a abolição do Imposto de Renda, a extinção do Federal Reserve System (o banco central) e a volta ao padrão-ouro dos anos 1930. Para ele, seu país deveria deixar de fazer parte da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIC).
Como se vê, nas melhores famílias existe gente com as antenas desgovernadas. Não deveria constituir surpresa se o Brasil também não tivesse os seus aloprados, que não são apenas os que montam dossiês contra adversários políticos.