Agora que estão definidas pelos tribunais superiores as regras de fidelidade partidária, com as datas de vigência das novas normas, e decididas quais são as instâncias em que os casos serão julgados, é preciso analisar as repercussões da decisão do TSE e do STF de atribuir aos partidos o domínio dos mandatos, congelando a atual situação partidária. Como o “presidencialismo de coalizão” lidará com essa nova situação? Há quem acredite que, sem a possibilidade de cooptar deputados individualmente, qualquer governo correrá o risco de ficar em minoria legislativa, pois nenhum partido sai das urnas com a maioria no nosso sistema eleitoral.
Nessa situação, qual seria o desdobramento natural ? Fazer coalizões mais programáticas, desde antes da eleição, fazer alianças programáticas com partidos depois da eleição para compor a maioria legislativa? Ou seria melhor encontrar maneiras, como a volta da cláusula de barreira, para reduzir o número de partidos? Esse congelamento pode facilitar, a longo prazo, a redução do número de legendas, já que poucos quererão disputar eleição em partidos pequenos? O Congresso está em reunião permanente, embora não formalmente, tentando encontrar uma saída para o impasse em que foi colocado pelos tribunais superiores. É possível que, pressionados, consigam produzir algum consenso em torno de novas regras para a fidelidade partidária, permitindo que a eleição de 2010 seja disputada com um quadro partidário descongelado.
A reforma política mais profunda seria deixada para o próximo governo, que poderia promover uma revisão constitucional pontual, tese que no momento agrada mais aos políticos do que a Constituinte exclusiva defendida pelos petistas, que cheira a tentativa de golpe bolivariano.
O cientista político Octávio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, embora não acredite que os presidentes corram o risco de governar em minoria, lembra que, com exceção de Lula, todos os presidentes que perderam a maioria ou não conseguiram formála não terminaram seus mandatos: Vargas em 1954, Café Filho em 1955, Jânio Quadros em 1961, Collor em 1992. Mas Octavio Amorim Neto ressalva, porém, que o sistema partidário brasileiro oferece muitas alternativas ao presidente, em termos de coalizão partidária, porque são muitos os partidos.
Já o cientista político Fernando Limongi, da USP, não crê que a nova situação afete a estrutura e forma de funcionar do nosso presidencialismo de coalizão.
Para ele, a troca de partidos é episódio periférico, de pouca importância para o funcionamento do sistema político brasileiro. Segundo ele, os governos pós 1988 não dependeram da cooptação individual, ou do crescimento de partidos que formam sua base de sustentação, para estruturar suas coalizões.
Por definição, o problema de nenhum partido obter maioria nas urnas é contornado pela formação de uma coalizão, em qualquer lugar do mundo, lembra Limongi.
Na opinião dele, não é o caso de achar que a coalizão só se formaria via cooptação de novos membros a determinados partidos, pois é sempre possível formar coalizões sem troca-troca de partidos.
O cientista político Sérgio Abranches, que cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”, vê as novas normas como “um problema para a formação de coalizões, como elas vinham sendo formadas até agora. O Fernando Henrique recorreu também ao troca-troca para compor suas coalizões. O Lula, além de fazer isso, usou métodos ainda mais danosos de cooptação e compra de lealdade, tornando o sistema ainda mais clientelístico e ainda mais propenso à corrupção política”.
O Brasil é muito complicado e tem problemas gravíssimos de qualidade, valores políticos e cívicos, que não se resolvem com os formalismos de uma ou outra lei eleitoral ou com os mecanismos de um ou outro regime de governo, todos socialmente determinados, analisa Abranches.
“Acho que esses avanços incrementais fazem mais bem, sem ter efeitos colaterais insuportáveis pelo organismo politico”.
Uma revolução, na opinião dele, seria a proibição das alianças e coligações nos pleitos proporcionais.
E uma revolução radical “se, além disso, mudassem a fórmula de cálculo da proporcionalidade do sistema D’Hondt, que usamos e que gera muita sobra, para o sistema St. Laigüe, que não deixa sobra, porque gera cocientes partidários muito mais altos e acaba reduzindo o sistema partidário, porque os partidos nanicos e mesmo médios não conseguem atingi-lo e não podem recorrer aos votos de grandes coligados”.
Seria, para ele, um caminho mais legítimo, porque baseado no número de votos e na proporcionalidade mais precisa, do que no percentual arbitrário e fixo da cláusula de barreira, por exemplo. Abranches também acha que uma certa flexibilidade para variação nessa dinâmica local/nacional é fundamental, porque o presidencialismo, além de coalizão, é federativo, e o eixo federativo desorganizado, conflitado ou com sua correlação de forças desequilibrada demais, pode desestabilizar o eixo partidário nacional.
“Essa, do local-nacional, é uma balança delicada e que precisa se manter em equilíbrio, ainda que precário, para não levar o jogo nacional ao impasse. A impossibilidade de trocar de partidos logo após as eleições — momento, em que se vê pelas estatísticas, de pico do trocatroca — retira de cena um importante incentivo às legendas de aluguel e aos partidos nanicos”.
Por isso os dois picos de troca-troca se dão antes das eleições e antes da posse na Câmara.
( Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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