O Globo |
25/10/2007 |
Desde que Getulio Vargas criou, em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a estrutura sindical corporativista, quando se tenta fazer alterações na legislação surge sempre alguém para dizer que ainda não é chegada a hora. Já por volta de 1945 começam as denúncias que ligam as leis trabalhistas à influência da Carta Del Lavoro de Mussolini, e, em 1952, um livro de Evaristo de Morais Filho sobre a unicidade sindical no Brasil constata a contradição da preservação de um sistema corporativista no sindicalismo. Agora mesmo, os sindicalistas se movimentam para tentar parar no Senado a emenda do deputado do PPS Augusto Carvalho, aprovada na Câmara, que torna opcional a contribuição sindical compulsória com que todos os trabalhadores, mesmo sem querer, enchem os cofres dos sindicatos com um dia de seu trabalho. Os sindicatos patronais, que não estavam citados na emenda, foram incluídos por uma emenda do PSOL. Mas os patrões não precisam nem discutir o assunto delicado, pois os sindicatos dos trabalhadores tomaram à frente das negociações para derrubar a emenda. Como num castelo de cartas, além da contribuição para os sindicatos e confederações, a discussão incluiria a contribuição ao sistema dos 4 S ( Sesi, Sesc, Senai e Senac), cerca de R$11 bilhões este ano. Mas aí também os patrões estão protegidos. Além de um sindicalista de peso, Jair Meneguelli, ser o presidente do Sesi, agora as centrais sindicais participarão dos conselhos do sistema S. O sociólogo Francisco Weffort, fundador do PT e ex-ministro de FH, lembra que "todos os partidos e todas as ideologias políticas de 1945 em diante falaram contra esse sistema e, uma vez no poder, confirmaram o sistema". O advogado José Arnaldo Rossi, especialista em direito do Trabalho e Previdência, lembra que não é à toa que o país não aderiu à Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1947, sua lei fundamental, da autonomia e liberdade sindical. "O Dutra (presidente Eurico Dutra) mandou em 1949 o pedido de adesão para o Congresso, e está lá até hoje". O Lula da fase de líder sindicalista defendia o fim da Era Vargas, dizia que a CLT é o "AI-5 dos trabalhadores" e ironizava Vargas como sendo o "pai dos pobres e mãe dos ricos". Hoje, a CLT e a unicidade sindical (apenas um sindicato por categoria em cada município), marcos da Era Vargas, persistem, embora Lula volta e meia anuncie que pretende flexibilizar as leis trabalhistas, para baratear o custo do emprego. Mas o sindicato atrelado ao estado continua com Lula. O deputado Chico Alencar, do PSOL, considera "relevante" o novo imbróglio em que a bancada petista e Lula se meteram, no afã de garantir verbas oficiais para as centrais sindicais. PT e a CUT, do deputado Vicentinho, se aliaram à Força Sindical, do deputado Paulinho, do mesmo PDT do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, e aceleraram a votação do projeto 199/07, que, a título de um "reconhecimento histórico" das centrais, tem como motivação indisfarçável a captação anual de recursos, previstos em mais de R$100 milhões no próximo ano, originários do imposto sindical. Foram vitoriosos na tal "legalização" - que Alencar chama de "pelegalização". Weffort, que havia em artigo criticado Lula por ter criado "um governo de pelegos", na melhor tradição do sindicalismo brasileiro, diz que a mudança proposta pelo deputado do PPS poderia ter "uma repercussão política enorme na estrutura do estado brasileiro". Outra medida, esta do deputado tucano Antonio Carlos Pannunzio, obriga as centrais a abrirem suas contas para o Tribunal de Contas da União (TCU), o que não fazem hoje em nome de uma suposta "autonomia sindical". "Um dinheiro público que não é controlado pelo TCU, e os sindicatos argumentam que é um dinheiro privado. Querem dinheiro público para manter a burocracia sindical, mas recusam que seja dinheiro público na hora da fiscalização", diz Weffort. Segundo ele, o PT sempre fez discurso contra a unicidade sindical e contra o imposto compulsório, e estava sempre em sindicatos alimentados pelo sistema da unicidade e pela contribuição compulsória. "É o mesmo jogo de ambigüidade da política brasileira". Contra os que alegam que a contribuição voluntária pode enfraquecer os sindicatos, Weffort argumenta em sentido oposto: "Na verdade, o sindicalismo está morto hoje exatamente por que tem uma presença imensa no governo. Agora você tem a cooptação do sindicalismo. Para se fortalecer, tem que ser independente". José Arnaldo Rossi chama a atenção para a contradição entre "a visão corporativa, uma visão do Estado Novo fascista, e a democracia, que é a liberdade sindical e o fortalecimento do sindicato pela autonomia, pela adesão voluntária e participativa dos trabalhadores". Esse sindicato, que vai para a negociação coletiva, não precisa de legislação nenhuma, nem flexível nem rígida, argumenta Rossi. "Ele acerta no processo social da negociação as condições de trabalho". O economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), lamenta a perda da oportunidade de retomar "uma discussão mais de fundo sobre as reformas estruturais, pois a economia está passando um momento bom, e as resistências seriam menores". Seria o momento de discutir custo Brasil, desoneração de folha salarial, liberdade sindical, Previdência. Mas os interesses corporativos, de patrões e empregados, conspiram para tudo ficar como está, com a promessa de que dentro de um ano um novo projeto será apresentado. Como sempre aconteceu neste país, desde que Getulio Vargas criou a CLT e o sistema sindical corporativista, como está dito no começo da coluna. |
Entrevista:O Estado inteligente
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