Dora Kramer, dora.kramer@grupoestado.com.br
Integrante da ala mais pensante e arejada do PT - deixada em segundo plano no partido durante os anos de reinado do aparelhismo, simbolizado na figura de José Dirceu -, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, está engajado na eleição do próximo presidente do partido com a atenção inteiramente voltada para a era “pós-Lula”, a se iniciar já na campanha presidencial de 2010.
“Pela primeira vez em três décadas de existência, o PT enfrentará uma eleição sem Lula candidato e não pode fazer isso sem uma profunda reflexão sobre o seu papel, como partido e em relação ao governo”, diz Déda, para início de conversa afastando a possibilidade de Lula ou o PT pensarem na hipótese de um terceiro mandato já. “Fora de cogitação em qualquer instância.”
Eleitor e cabo eleitoral assumido da candidatura do deputado José Eduardo Cardozo, que enfrenta, com reduzidas chances, o atual presidente e representante do antigo Campo Majoritário (tendência, ou melhor, prevalência, do presidente Lula), Ricardo Berzoini, Marcelo Déda não adota meias palavras, usa-as inteiras: “O conceito de direção preponderante até agora está errado.”
O governador estaria ao lado de Lula nessa disputa se a primeira opção do presidente, seu assessor especial Marco Aurélio Garcia, não tivesse sido bombardeada pelos ainda poderosos seguidores da cartilha que levou o PT ao poder, mas também rendeu ao partido o desconfortável papel de protagonista em escândalos de corrupção.
Para Marcelo Déda, sem a âncora de Lula, o PT estará muito fragilizado para “disputas futuras” se não retomar o bom caminho da ética - como discurso e como prática -, se não acabar com a submissão da expressão política à força da burocracia, se não der um fim à guerra de tendências, se não restabelecer a democracia interna, se continuar a submeter as ações do partido às conveniências da seção paulista, se não abrir espaço para suas lideranças reais e personalidades públicas.
Na receita, o governador de Sergipe inclui a revisão dos métodos de conduta. “Não se trata de deixar o partido encalacrado na discussão do mensalão, mas de adotar ferramentas que nos permitam não repetir os erros recentes.”
Na opinião dele, os esforços até agora foram “tímidos”. Note-se que Marcelo Déda também é “tímido”, ao se referir aos atos ora objetos de processo no Supremo Tribunal Federal como “erros”.
“Precisamos discutir o que aconteceu no partido que permitiu a ocorrência daqueles episódios e fazer o PT funcionar de uma forma mais orgânica, republicana mesmo, restabelecer condições de convivência mais confiáveis.”
Muito bem, o amor é lindo, o exercício da autocrítica belo e indispensável, mas há a vida, essa inimiga. E esta, tudo indica, dará a vitória a Ricardo Berzoini, ou a Jilmar Tatto, da tendência liderada pela ministra Marta Suplicy, chapas que não incluem a tese da oxigenação em suas plataformas.
“Só o fato de haver segundo turno, e isso é certo, já é positivo. Aquela situação de maioria acachapante do Campo Majoritário não se repete mais. E, como ninguém vai preponderar com aquela força avassaladora, o diálogo obviamente terá de acontecer.”
E 2010, pode ser uma eleição presidencial sem um candidato do PT?
Na opinião de Marcelo Déda, é pouco provável, mas é possível. “Hoje perguntamos: temos candidato? Temos. Amanhã precisaremos perguntar: mas temos candidato para ganhar? Se não tivermos, precisaremos considerar a hipótese de integrar uma coalizão de governo com um presidente de outro partido aliado.”
Despolitização
Tema da moda nas rodas intelectuais e políticas, a “judicialização” das funções legislativas, com todo o respeito aos debatedores, em especial àqueles que vêem excessos e riscos institucionais nas decisões da Justiça em assuntos da alçada do Parlamento, é uma falsa questão. Ou, melhor, não é questão alguma.
O Poder Judiciário apenas faz - devidamente provocado - o que o Legislativo se recusa e que alguém tem de fazer. A reforma política tramita há mais de 12 anos e a regulamentação do direito de greve do servidor público há quase 20.
Bom debate mesmo seria pôr no centro da roda o Parlamento e questioná-lo sobre o jogo de pressões e contrapressões que o transformam num poder ensanduichado entre os lobbies das bancadas corporativas e as vontades do Poder Executivo.
A defesa de teses a respeito, algumas baseadas na “judicialização” da política seguida da politização da Justiça na época da Operação Mãos Limpas, na Itália, acaba conferindo nobreza a problema de causa chula: baixa qualidade da matéria-prima.
Esta sim, e não a atuação do Judiciário, alimenta caldo de cultura para deformação, quando não retrocesso, institucional. A Justiça rompeu a paralisia e este é o fato mais novo no Brasil, o único no cenário capaz de conter o processo gradativo de despolitização da política.