Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 26, 2007

Entrevista da Folha:Sérgio Cabral Filho

Se homem ficasse grávido, aborto já seria legal no país

MARCELO BERABA
Folha de S. Paulo
26/10/2007

Governador diz que falta de política pública, e não favela, é fábrica de produzir marginal

Cabral afirma que pretende "extirpar" tráfico em quatro grandes favelas do Rio até fevereiro de 2008, quando começam obras do PAC

O governador do Rio, Sérgio Cabral Filho (PMDB), 44, disse ontem que pretende "extirpar" o tráfico que domina quatro grandes favelas (Complexo do Alemão, Rocinha, Manguinhos e Pavão Pavãozinho) até fevereiro, quando começam as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal em associação com o Estado e o município.
Na entrevista que concedeu em seu gabinete, no Palácio Guanabara (Laranjeiras, zona sul), Cabral reclamou da manchete de ontem da Folha -"Para Cabral, fertilidade faz de favela "fábrica de marginais""- por considerá-la errada. "Não é a favela que é uma fábrica de produção de marginal, mas é o fato de o Estado não ter uma política pública e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a gravidez", explicou.
"Se o homem ficasse grávido e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito tempo", disse.

FOLHA - A sua declaração provocou uma forte contestação.
SÉRGIO CABRAL - Foi um erro da Folha. Eu não disse que a favela é uma fábrica de produzir marginal, como está na manchete. O que eu venho defendendo há muito tempo é o direito da mulher à interrupção da gravidez indesejada. Se o homem ficasse grávido e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito tempo.
O que fiz menção no caso da violência é que o livro "Freakonomics" [Steven Levitt e Stephen J. Dubner] mostra que, nos EUA, o fato de o aborto ter sido legalizado teve uma relação importante com a queda da criminalidade lá na frente.
No momento em que uma mulher, pobre ou rica, tem a opção de ir à rede pública ou privada credenciada estaria garantido um direito que hoje não é concedido e que teria implicações no perfil demográfico brasileiro e traria diversas conseqüências, entre elas, a redução da criminalidade, como mostra o livro.

FOLHA - As declarações que o senhor fez permitem entender que se referia às favelas quando falou em "fábrica de produzir marginal".
CABRAL - Não é a favela que é uma fábrica de produção de marginal, mas o fato de o Estado não ter uma política pública e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a gravidez.

FOLHA - Há uma discussão sobre o aborto sob o ponto de vista da saúde pública.
CABRAL - Claro que é saúde pública, mas tem decorrências. Vai numa comunidade carente e verá o número de meninas com 19 anos com dois, três filhos que elas não queriam ter. O planejamento familiar é importante, assim como uma série de políticas públicas e o aborto.

FOLHA - O senhor já defendeu a descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal, a autonomia dos Estados para legislarem sobre, entre outros temas, questões penais e, agora, o aborto. Que outras idéias o senhor tem para enfrentar a criminalidade?
CABRAL - Piraí é uma cidade do centro-sul fluminense que tem 25 mil habitantes e dez vezes mais escolas públicas do que no Complexo do Alemão, onde moram 130 mil pessoas. Tem alguma coisa errada. Defendo investimentos sociais e urbanísticos, que é o que vamos fazer com o PAC. Vamos transformar essas comunidades, que passarão a ter um investimento civilizatório. Hoje elas estão jogadas.
O outro aspecto importante é o enfrentamento [com o tráfico nas favelas]. Nossa política não pode abrir mão do enfrentamento porque eu não posso aceitar que seja normal que um carro da polícia entre numa comunidade e seja alvejado por criminosos. É sinal que ali existe um controle paralelo e nós temos de enfrentá-lo.

FOLHA - Mas esta política, já em vigor em outros governos, não tem levado a um resultado satisfatório.
CABRAL - O preço do estresse do enfrentamento é um preço que trabalhamos diariamente para ter a menor conseqüência possível, de preferência que não haja uma vítima inocente. Aquelas comunidades onde entramos e enfrentamos o crime organizado ficam muito felizes porque estão cansadas da selvageria diária.

FOLHA - Por que o governo não consegue dominar e permanecer nas áreas que invade?
CABRAL - Só se você me trouxer 15 mil homens novos e me der as condições. Não temos contingente suficiente para isso. A polícia de Nova York tem mais de 120 mil policiais para 11 milhões de habitantes, nós temos 50 mil policiais para 15 milhões de habitantes.

FOLHA - O governo vai iniciar as obras do PAC no Complexo do Alemão com o tráfico atuante ou vai extirpá-lo antes das obras?
CABRAL - Vamos extirpar. Vamos extirpar em muitos lugares. Não é uma briga fácil, é uma guerra que você não tem como mensurar o cronograma.

FOLHA - Então não tem como implantar hoje o PAC nestas favelas com o domínio do tráfico?
CABRAL - Não tem, de jeito nenhum.

FOLHA - E quando começa o PAC?
CABRAL - [Ri] Possivelmente em fevereiro.

FOLHA - Então teremos o Alemão em fevereiro com PAC e sem tráfico?
CABRAL - Teremos.


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