O Globo |
31/10/2007 |
A interpretação equivocada do governador Sérgio Cabral da tese do economista Steven Levitt, que o levou a defender a liberação do aborto como parte de uma política oficial de segurança pública, serviu pelo menos para pôr em evidência a discussão sobre quais as mais eficazes políticas de redução da criminalidade. O próprio Levitt, em entrevista ao mesmo portal de notícias G1 que divulgara a entrevista do governador, reafirma que "tanto a teoria como os fatos continuam a sugerir que a legalização do aborto reduziu o crime nos EUA", mas ressalva que "há melhores formas do que o aborto para evitar o nascimento de uma criança indesejada, como o acesso a políticas de controle de natalidade". Steven Levitt, o economista autor do best-seller mundial "Freakonomics", é um dos autores mais citados pelos economistas, mas também é muito contestado por acadêmicos mais ligados às áreas humanas. Ele adverte que a ligação entre pobreza e crime é muito mais tênue do que a maioria das pessoas acredita, e cita a desigualdade de renda como fator mais importante que pobreza no aumento de crimes. Todas essas causas sociais não o impedem de dar um diagnóstico cru de nossa situação: as penas de prisão no Brasil "são muito baixas e desiguais". Controlar a polícia e prisões não é fácil, admite, mas é a chave para baixar a criminalidade. Outro estudo de Levitt, tão polêmico quanto, mas muito mais apropriado para nossa situação de insegurança do que a defesa do aborto, mostra que a criminalidade juvenil antes do 18 anos diminui nos estados onde a legislação é mais rigorosa. Nos estados lenientes, os de 17 anos cometem crimes na mesma proporção dos de 18 anos, enquanto nos estados mais rigorosos, onde a diferença de idade não importa, os de 17 anos cometem 20% menos crimes do que os de 18 anos. No caso específico da cidade do Rio, onde está a maioria das favelas sobre as quais falou o governador Sérgio Cabral como "fábrica de marginais", um trabalho de José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatística (Ence), do IBGE, e Suzana Cavenaghi, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que, para a totalidade do município, a taxa de fecundidade em 2000 era de 1,9 filho por mulher. No entanto, as moradoras em favelas tinham 2,6 filhos em média. Analisando por grau de instrução, o estudo revela contudo que a fecundidade é mais alta para mulheres que completaram no máximo o ensino fundamental, sendo 2,8 filhos na cidade e 3 na favela. Acima de nove anos de estudo a fecundidade, em 2000, era igual nas duas áreas (1,6 filho) e já estava abaixo do nível de reposição. A taxa de fecundidade, em 2000, foi de 3,4 filhos na cidade e de 4,2 filhos nas favelas para mulheres que residiam em lares com renda domiciliar per capita menor do que meio salário mínimo. As mulheres de domicílios com renda per capita entre meio e um salário mínimo tinham taxas de fecundidade de 2,7 filhos, tanto na cidade quanto na favela. Acima de um salário mínimo per capita, todas as mulheres cariocas já tinham fecundidade abaixo do nível de reposição, independentemente do local de moradia. Os dados do estudo mostram que, quando consideramos educação e renda, a diferença da fecundidade das mulheres que moram em favelas e a daquelas que moram no restante da cidade é mínima. A diferença média de quase um filho a mais na favela se deve ao maior percentual de mulheres com baixos níveis de instrução e renda residentes nas favelas. Para os autores do estudo, a fecundidade mais alta ocorre principalmente diante das carências de educação e emprego, acrescidas das dificuldades de acesso aos serviços públicos de saúde sexual e reprodutiva. Estudos mostram que tanto as mulheres da cidade quanto as moradoras das favelas querem ter menos filhos, mas freqüentemente acabam por ter gravidezes não planejadas, decorrentes da falta de meios anticoncepcionais. Essas evidências do trabalho de José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, e Suzana Cavenaghi, da Unicamp, são confirmadas por um outro estudo, do Banco Mundial, que coloca o planejamento familiar como uma das medidas mais importantes para prevenção da criminalidade. Segundo pesquisa sobre o estado atual da população mundial, realizada em 2005 pela ONU, cerca de 200 milhões de mulheres casadas têm uma necessidade não atendida de orientação sobre planejamento familiar. A maioria das mulheres que não usa contraceptivos vem de famílias pobres. No Brasil, quase 60% das mulheres que têm quatro filhos e 70% das que têm cinco filhos declaram que gostariam de ter tido menos filhos. Para constatar como o aborto tem menos relação com o controle da criminalidade do que a educação e a informação, basta ver um estudo de Cristian Pop-Eleches, da Universidade Columbia, em Nova York, que analisa os efeitos de uma lei de 1966 do ditador Nicolae Ceausescu, da Romênia, proibindo o aborto no país. A taxa de nascimentos cresceu de 1,9 para 3,7 crianças por mulher no espaço de um ano. O estudo mostra que, na média, crianças nascidas depois da proibição tiveram mais anos de estudo e maior sucesso no mercado de trabalho. A razão é que as mulheres mais educadas passaram a ter mais filhos. Mas, quando se desdobra a pesquisa pelas variáveis de renda e educação, as crianças de famílias mais pobres tiveram problemas tanto no estudo como no trabalho, havendo evidências de que estavam mais sujeitas a um ambiente marginal do que as do mesmo estrato social que nasceram antes da proibição, quando o aborto era o método de planejamento familiar mais usado na Romênia. |
Entrevista:O Estado inteligente
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