O Globo |
26/10/2007 |
"Presidência é uma questão de destino", afirma sempre o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, para se esquivar da obrigação de se colocar oficialmente como candidato à sucessão de Lula antes do tempo. Os bastidores das sucessões presidenciais desde a redemocratização mostram que o destino nunca esteve tão presente quanto nesse período, quando os presidentes saíram de injunções políticas inesperadas, mesmo que cada um deles, desde Itamar Franco até Lula, tenha tido méritos políticos, maiores ou menores, para chegar aonde chegaram. A começar pelo próprio Itamar que, escolhido para vice na chapa de Collor pela imagem de honradez, a confirmou durante o governo corrupto, não se misturou com a República de Alagoas e pôde sair da crise que cassou o presidente livre para comandar um governo de coalizão, quase de salvação nacional. Sua revelação de que pensava em lançar seu amigo José Aparecido de Oliveira, falecido esta semana, como seu sucessor e para isso o havia nomeado ministro das Relações Exteriores, mostra bem como o destino anda dando as cartas na política brasileira desde a redemocratização do país. José Aparecido, doente, não pôde assumir o cargo e nem chegou mesmo a entrar na História como possível presidenciável. Naquele momento, porém, era tido como certo que o governo, com o sucesso do Plano Real, poderia eleger qualquer um. O primeiro nome a ser cogitado formalmente foi o do então ministro da Previdência Social, Antonio Britto, muito popular depois de ter sido porta-voz do presidente eleito Tancredo Neves. Preferiu aproveitar a grande popularidade para se candidatar ao governo do Rio Grande do Sul. Antes de ter sido indicado, à sua revelia, ministro da Fazenda pelo presidente Itamar Franco, o senador Fernando Henrique era ministro das Relações Exteriores e não tinha em seu horizonte político nem mesmo a certeza da reeleição para o Senado, que se mostrava difícil. O Plano Real viria a mudar seu destino, transformando-o naturalmente no candidato à sucessão de Itamar Franco, que o escolheu sem nunca lhe ter falado diretamente, como o próprio Fernando Henrique conta em seu livro "A arte da política". No mesmo livro, conta que tinha dúvidas sobre o sucesso da própria candidatura, temendo que o Plano Real perdesse força. Chegou a pensar em permanecer à frente do Ministério da Fazenda e apoiar um candidato que o mantivesse no cargo. Mas não há dúvida de que, naquele momento, somente uma personalidade respeitada tanto nos meios acadêmicos quanto políticos como ele poderia reunir tantos cérebros para uma tarefa que parecia impossível, domar a inflação. Antes disso, o destino impedira que Tancredo Neves, que se preparara a vida inteira para isso, assumisse a Presidência, embora eleito. A tragédia de Tancredo Neves colocou na Presidência seu vice, José Sarney, que chegou lá depois de um gesto político ousado, mas devido a um duplo acaso. Ao romper com o governo militar de João Figueiredo, num gesto político corajoso que exigiu até que fosse armado a uma reunião, Sarney abriu uma dissidência política importante, criando a Frente Liberal, que desidratou a candidatura oficial da Arena e fortaleceu a de Tancredo Neves. Dias antes da posse, Sarney dizia-se disposto a permanecer no Palácio Jaburu, dedicando-se à pintura e à literatura. O que parecia o fim de uma carreira política vitoriosa acabou levando-o à Presidência da República pela morte de Tancredo. Não sem antes superar um outro obstáculo, político-jurídico. O senador Pedro Simon contou recentemente, nas homenagens no aniversário de morte de Ulysses Guimarães, que a pressão do PMDB para que Ulysses assumisse o governo em lugar de Sarney parou na interpretação da Constituição do ministro do Exército, General Leônidas Pires Gonçalves, que conhecera Sarney ainda no governo Jânio Quadros. O próprio Ulysses explicou para Simon: "Se ele, que garantiu a sucessão de um civil, acha que é o Sarney, temos que aceitar. Se não, nem ele nem eu, nem ninguém". Mesmo Fernando Collor, que viria a substituir Sarney na Presidência, foi um fenômeno atípico na política brasileira, num ano em que a sucessão seria disputada com outro fenômeno, o sindicalista Lula. Uma aventura irresponsável de um grupo de interioranos em viagem à China acabou se transformando em uma tragédia nacional com a eleição do "caçador de marajás". No entanto, para chegar aonde chegou, também Collor demonstrou ter ousadia e criatividade para criar a fantasia do jovem político que romperia com as oligarquias quando, por baixo dos panos, negociava com elas. O hoje presidente Lula já admitiu que seria um desastre se fosse eleito naquele ano de 1989, o que leva à conclusão que o país estava fadado a passar por terremotos políticos naquele mandato presidencial, como passou com a deposição de Collor. O próprio Lula, que chegou à Presidência depois de perder a eleição por três vezes, deve à persistência, mas também ao destino, sua vitória. O eleitorado, que ainda não havia sido seduzido por ele, demorou a escolhê-lo como o mensageiro das mudanças sonhadas naquele ano de 2002. E pode-se dizer que a língua do destino tirou do páreo o hoje deputado Ciro Gomes. Ficou famosa a definição de Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope: se o Ciro pegasse a Patrícia Pillar, fosse para bem longe e ficasse calado, estava eleito presidente. O que nos reservará o destino na s |
Entrevista:O Estado inteligente
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