O país vai gastar 5 bilhões de dólares na preparação
do Mundial de 2014, mas as recompensas irão além
da festa nos gramados
Daniel Salles e Marcio Orsolini
Eurico Dantas/Ag. O Globo |
Menos gente, mais conforto: projetado com 155 000 lugares, o Maracanã já chegou a abrigar quase 200 000 pessoas. Hoje, a dura arquibancada de cimento deu lugar a cadeiras mais confortáveis, reduzindo a capacidade do estádio |
Arquivo JS 1950 |
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Nesta terça-feira, dia 30, finalmente a notícia se tornará oficial: o Brasil será anunciado como o país anfitrião da Copa do Mundo de Futebol de 2014. O comunicado será feito durante uma reunião do comitê executivo da Fifa em Zurique, na Suíça, na qual se espera a presença do presidente Lula, do técnico da seleção brasileira, Dunga, e do jogador Romário. Essa será a segunda Copa realizada nos gramados do país. Para os brasileiros com idade suficiente para ter acompanhado a primeira delas, em 1950, haverá a chance de redimir o desastre da derrota na final para o Uruguai, que calou o Maracanã e enlutou a nação. Para todos os torcedores, será uma oportunidade de assistir em casa ao principal torneio da modalidade esportiva mais praticada no mundo. A escolha do Brasil para a Copa de 2014 se deve a uma mudança no regulamento da Fifa. Em 2000, quando a Alemanha derrotou a África do Sul na votação interna do órgão para escolher o país-sede da Copa de 2006, a Fifa decidiu estabelecer um rodízio entre os continentes que abrigarão o campeonato. Coube à África do Sul, o mais desenvolvido país africano, encarregar-se da Copa de 2010. Para 2014, sendo a América do Sul a bola da vez, a disputa ficou entre o Brasil e a Colômbia. Em abril deste ano, alegando que não conseguiriam cumprir todas as exigências da Fifa para a realização de uma Copa do Mundo, os colombianos retiraram a candidatura. O Brasil se tornou candidato único.
Basicamente, as exigências da Fifa para a Copa rezam que os estádios onde as partidas são disputadas apresentem as mesmas condições de conforto e segurança que as de seus equivalentes nos países desenvolvidos. Todos os assentos, por exemplo, têm de ser numerados e é preciso haver hospitais e estacionamentos nas imediações. Com a confirmação do Brasil para a Copa de 2014, terá início uma corrida para adaptar os estádios do país aos padrões internacionais (veja quadro). Além disso, será preciso preparar as cidades que os abrigam para a complexa operação logística que o certame envolve. Sediar uma Copa significa hospedar 32 equipes e suas comitivas durante um mês e criar estrutura para a realização de 64 partidas, que serão transmitidas globalmente. A expectativa é que em um mês 500 000 turistas – 10% do total que o país recebe em um ano inteiro – acorram às cidades onde acontecerão os jogos. O campeonato atrairá ainda 15.000 jornalistas, 15.000 voluntários para tarefas diversas e 300 funcionários e convidados da Fifa, cuja lista de exigências ao país organizador inclui jatinhos, limusines e 400 automóveis.
Não há motivos para duvidar de que a Copa de 2014 no Brasil seja uma grande festa. Além de dispor de sete anos para organizá-la, o país vem de um notável sucesso na realização dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Temia-se que, numa cidade conflagrada pelo crime, houvesse ocorrências policiais envolvendo os participantes dos Jogos. Não foi o que aconteceu – exceção feita à prisão dos dois boxeadores cubanos que pretendiam pedir asilo político no Brasil e acabaram deportados. Garantir a segurança nas ruas das cidades que abrigarão os jogos da Copa é uma providência importante que precisa ser planejada desde já. O aumento no fluxo de turistas é um poderoso chamariz para a bandidagem. A África do Sul, que também enfrenta altos índices de criminalidade – quarenta assassinatos por 100.000 habitantes, contra 27 no Brasil e cinco na média mundial –, começou cedo sua preparação para a Copa de 2010. O país aumentou em 600% os gastos com segurança e duplicou seu contingente policial.
"A Copa do Mundo transcende o aspecto meramente esportivo", diz o presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter. "É uma oportunidade magnífica para combater problemas sociais e promover os valores positivos associados ao futebol." Na África do Sul, existe a expectativa de que a Copa de 2010 contribua para o esforço de integração da maioria negra à economia do país, diminuindo as diferenças sociais herdadas do apartheid. Pela política batizada de "valorização econômica do negro", as empresas que assinarem contratos relacionados ao evento devem provar que têm boas práticas de integração racial. A Alemanha aproveitou o Mundial do ano passado para melhorar sua imagem no exterior. Antes vista como uma nação pouco acolhedora, recebeu avaliações favoráveis de 90% dos turistas que a visitaram durante o torneio mundial. A Coréia do Sul e o Japão melhoraram significativamente suas relações bilaterais ao organizar em conjunto a Copa de 2002. No Brasil, já estaria de bom tamanho erradicar a dengue para que não atinja os estrangeiros que virão em 2014. A Alemanha, por sinal, enfrentou com sucesso a ameaça de um surto de sarampo antes do Mundial de 2006.
Organizar uma Copa do Mundo, evidentemente, não sai barato. No caso da Copa no Brasil, parte da verba virá dos cofres da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), beneficiária dos polpudos patrocínios da seleção brasileira. Mas os gastos com infra-estrutura nas cidades onde acontecerão os jogos – construção de estádios, obras em estradas, aeroportos e sistemas de telecomunicações – correrão por conta do estado, ou seja, serão bancados com dinheiro público. Calcula-se que o Mundial de Futebol do Brasil consumirá 5 bilhões de dólares, embora as estimativas finais, quando anunciadas, devam prever cifras bem maiores. Foi o que aconteceu nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Inicialmente orçados em 500 milhões de reais, estima-se que tenham consumido 4 bilhões de reais. Poucos países podem fazer como os Estados Unidos, que organizaram uma Copa do Mundo (em 1994) e duas Olimpíadas (em 1984 e 1996) sem um centavo de ajuda do erário. Isso porque toda a infra-estrutura estava pronta. Na Alemanha, o setor público (local ou federal) financiou um terço dos 2 bilhões de dólares gastos nas obras nos estádios.
Os argumentos a favor dos gastos públicos com a Copa do Mundo no Brasil dizem que o certame trará empregos, aumentará o fluxo turístico, promoverá a revitalização de áreas urbanas e garantirá investimentos de peso no país. Analisando-se os dados econômicos envolvidos nos últimos Mundiais de futebol (veja quadro abaixo), constata-se que os argumentos estão corretos. Mas as estimativas sobre número de turistas, geração de empregos e impacto do evento sobre o PIB em geral são exageradas. O normal é subestimar as despesas e superestimar as receitas. Encerrada a Copa, os cálculos são refeitos (quando o são) e a realidade costuma ser menos cor-de-rosa. Antes do Mundial da Alemanha, falou-se na criação de 100.000 empregos. Um estudo feito depois do evento contabilizou apenas metade desse total. A Coréia do Sul esperava 500.000 turistas a mais em 2002. Só apareceram 50% deles. "A Copa deve ser comparada a uma festa de casamento. Você dá uma grande recepção, mas não deve esperar lucrar com ela", diz o economista Victor Matheson, do College of the Holy Cross de Massachusetts, autor de um estudo que mostra que o impacto de megaeventos esportivos é bem menor do que se alardeia.
Para os otimistas, a Copa costuma ser uma oportunidade para realizar investimentos em infra-estrutura de que há muito os países necessitam. "A Copa do Mundo antecipa investimentos que teriam de ser feitos em algum momento", afirma o presidente do Comitê Organizador da África do Sul, Danny Jordaan. Os sul-africanos vão aproveitar 2010 para construir um trem de alta velocidade entre Johanesburgo e Pretória. Os alemães reformaram estradas. O Brasil poderia aproveitar para dar uma solução definitiva aos problemas de seus aeroportos. Apenas o Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, pode ser considerado pronto para um evento do porte de uma Copa do Mundo, já que opera com metade de seu potencial. De qualquer modo, a partir desta terça-feira, o Brasil terá sete anos para preparar uma Copa inesquecível – e que espante do Maracanã os fantasmas de 1950.
Com reportagem de André Fontenelle e Alexandre Salvador
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