Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 12, 2007

Merval Pereira - O preço

O presidente Lula atuou pessoalmente para conseguir o acordo que permitirá que a emenda constitucional que prorroga o CPMF seja negociada no Senado sem a presença perturbadora daquele que já foi o seu maior aliado, o senador Renan Calheiros.

Fez parte do acordo também o retorno dos senadores do PMDB, Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mesmo que os dois tenham uma posição contrária ao imposto. O recado é claro: Renan Calheiros não vale os R$ 40 bilhões da CPMF.

Todos esses movimentos têm por objetivo fazer retornar a situação em que o Senado se encontrava quando absolveu Renan Calheiros no primeiro processo, sobre seu relacionamento com um lobista de empreiteira para pagar a pensão alimentícia de sua filha com a jornalista Mônica Veloso. Naquele momento, ele teve 40 votos favor e 35 contra, tendo sido salvo por seis abstenções atribuídas ao PT. Hoje, as indicações são de que ele seria cassado se houvesse nova votação.

Quando não se licenciou da presidência após a absolvição, conforme combinara com os petistas, Renan Calheiros aprofundou a crise política e perdeu apoios entre a base do governo. A tentativa de espionar senadores, feita por um assessor seu, foi a gota d’água para desestabilizar seu apoio, já precário àquela altura, dentro do Senado.

O pedido de licença da presidência do Senado feito ontem é apenas o primeiro passo de uma estratégia de afastamento gradativo, que pode incluir até mesmo a renúncia em definitivo ao cargo se sentir que sua situação não melhorou no plenário do Senado, onde deve ser julgado novamente por seus pares pelo menos uma vez mais nos próximos dias.

Mas nada indica que a licença de 45 dias seja suficiente para estancar a crise que nos últimos cinco meses levou o Senado ao fundo do poço. Como sempre fez nesse período, Calheiros combinou uma coisa e fez outra.

A licença acertada inicialmente era de 120 dias, para dar tempo ao governo de negociar e tentar aprovar CPMF até o fim de dezembro, sem que sua presença tumultuasse o ambiente.

Se, nesse período, ele escapasse dos mais quatro processos que estão instalados no Conselho de Ética, poderia reassumir a presidência no início de janeiro, com o Congresso em recesso e o Senado já pacificado, com a CPMF aprovada.

Mas, no caminho de sua casa no Lago Sul de Brasília para o Senado, ontem à tarde, o senador Renan Calheiros mudou de idéia e resolveu licenciar-se por apenas 45 dias, o que cobre os prazos de seu interesse, mas não os do governo. Isso porque, mesmo que todos os processos contra ele estejam resolvidos até o final de novembro, quase certamente tramitação da CPMF não estará terminada nesse prazo.

Nos cálculos de Renan Calheiros, ele estará de regresso ao posto justamente na reta final da aprovação da CPMF, durante o mês de dezembro.

É uma situação paradoxal, pois assim como Renan Calheiros depende dos votos petistas para se livrar da cassação, também o governo ficaria dependente dele para aprovar a CPMF.

Renan conta com a necessidade de o governo tratálo bem no Conselho de Ética, e nas eventuais votações secretas contra ele por quebra do decoro parlamentar no plenário do Senado.

É uma ação de alto risco, às quais ele se acostumou nos últimos tempos, pois se contém uma dose de chantagem contra o governo, coloca também seus aliados petistas diante da possibilidade, que a cada dia parece mais tentadora, de cassar-lhe o mandato para evitar que reassuma a presidência em meio à negociação da CPMF.

Absolvido com a ajuda do PT, Calheiros retornaria ao cargo fortalecido politicamente e disposto a mostrar a sua força, tendo para isso uma votação crucial para o governo sob o seu comando. Nada indica que se possa confiar em seus sentimentos de gratidão.

Ao PT, restará um papel duplamente impopular, para seu eleitorado ideológico e também para a classe média: ajudar novamente a absolver Renan Calheiros, e aprovar a CPMF, um imposto que se tornou simbólico do arrocho tributário exercido pelo governo federal.

Além do mais, o senador Aloizio Mercadante, que liderou o movimento da abstenção, agora já declarou que na sua opinião houve quebra de decoro parlamentar.

Não tem mais condições de seguir a orientação do PT para livrar Renan Calheiros.

Sem contar que não há garantias de que, sem negociar com a oposição, o governo consiga aprovar o imposto.

Até o momento, mesmo com as adesões do senador César Borges, que trocou o DEM pelo PR, e Romeu Tuma, que trocou o DEM pelo PTB, o governo ainda precisa de meia dúzia de votos fora da sua base para aprovar a CPMF. O senador Edison Lobão, que saiu do DEM para o PMDB, já era voto favorável ao governo, pois segue a orientação política do expresidente José Sarney.

É possível que durante este fim de semana de feriadão negociações aconteçam para fortalecer a base aliada do governo no Senado, aproveitando que o Tribunal Superior Eleitoral adiou pela segunda vez, agora para a próxima terça-feira, a reunião em que decidirá se também vale para os cargos majoritários a interpretação de que o mandato é do partido, e não do candidato.

Como a data para que a nova interpretação entre em vigor, se confirmada, deve ser a da reunião do TSE, especula-se em Brasília que o adiamento seria favorável ao governo, pois daria mais tempo para eventuais novas trocas de legendas.

Mas, a partir de agora, todas as negociações no Senado passarão ao largo de Renan Calheiros, que já foi o principal articulador do governo.

Nada indica que ele tenha condições políticas para retornar à presidência do Senado. O que lhe resta agora é negociar a manutenção de seu mandato.

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