Quando ele defende a implantação de uma nova cultura política argumentando que ninguém é candidato de si mesmo, que há compromissos firmados a serem cumpridos, que na era ora iniciada o partido vai assumir paulatinamente uma posição de protagonista, que não pode haver deserção por motivo fútil, que o eleito não é só representante do povo, representa o partido e não pode trair seu ideário, o ministro emociona.
Mas suscita também um pensamento: e o partido em relação ao eleitor, como é que fica? Pode trair, não está obrigado a cumprir os compromissos firmados anteriormente à conquista do voto, pode dar o dito pelo não dito ao eleitor durante a campanha eleitoral e, uma vez conquistado o poder, simplesmente mudar de posição?
É verdade, não se pode cobrar da Justiça essas respostas, inclusive porque a ela nada foi perguntado a respeito. Muito provavelmente jamais será, porque, em princípio, não há questões legais em jogo na relação entre os partidos e os respectivos eleitorados. O assunto, portanto, não é do mundo da lei.
Nem por isso deixa de ser pertinente e conveniente abordá-lo nesse momento em que discute-se com tanto entusiasmo (para o bem e para o mal) o tema da fidelidade política sob a ótica dos partidos.
O personagem central de uma berlinda dessa natureza é, claro, o PT, dado ser também o exemplo mais vistoso de mudança de posição. Justificada em muitos casos pelas contingências do poder, em outros celebrada pelo respeito ao bom senso em contrariedade à ausência de senso de muitas posições defendidas ao sabor das bravatas típicas de oposição. De qualquer forma, mudanças que, em tese, dariam ao eleitor mais apegado à motivação de seu voto o direito de ir buscar os seus direitos em algum lugar.
Mas, que lugar seria este, se aos tribunais não cabe tal julgamento, ao Legislativo não cabe normatizar a coerência, ao Executivo cumpre executar as providências de acordo com as conveniências e não há foro onde seja possível arbitrar a questão?
Poderia ser na eleição seguinte, em que o próprio eleitor se encarregaria de cobrar a fatura. Mas, e quando a incoerência é, para o coletivo, em vários aspectos, mais benéfica que a coerência? No caso da economia, por exemplo. Se o PT fizesse o que disse a vida inteira que os governos deveriam fazer, estaríamos todos fritos. O governo Lula, inclusive.
Isso, no entanto, não deveria autorizar um partido a mudar simplesmente sem pelo menos fazer uma autocrítica bem fundamentada e se explicar francamente ao eleitor. Antes da eleição, bem entendido, e com mais detalhes além de uma simples carta de intenções genérica aos brasileiros.
Pode um partido, como fez o PT na última eleição, escolher como eixo da campanha o ataque às privatizações e, meses depois, privatizar estradas num modelo bastante benéfico ao consumidor e, só por causa do benefício, se considerar absolvido do pecado original?
Em nome dos argumentos usados para justificar a fidelidade dos políticos eleitos aos partidos, poderia estar submetido à mesma lógica segundo a qual quem muda está automaticamente tomando a iniciativa de abrir mão do ideário anterior e, com ele, do posto conquistado mediante aquela agenda.
No caso das mudanças de bom efeito, a franqueza e a transparência com a sociedade poderiam resolver.
Mas resta sem solução a troca de conduta de resultado nefasto, como, é óbvio no caso do PT, o abandono da preliminar ética posta no campo do "principismo" que, segundo o presidente Luiz Inácio da Silva, só faz sentido quando se é oposição.
Pois bem, admitamos que o eleitor possa ser tratado assim e convidado a compreender, sem maiores explicações e escusa nenhuma, as contingências do realismo (cinismo?) na política.
Sobra, para o futuro, a dúvida: e quando voltar a ser oposição - se um dia voltar - o PT retornará ao bom combate sob quais argumentos? Ou não voltará, e deixará o então governo opositor sem vigilância nem freios nessa área a fim de, ao menos uma vez, prezar a coerência?
Falando em alternância de poder, aos hoje críticos do fisiologismo e antigos praticantes da cartilha, seria imposta a mesma regra quando, e se, um dia voltarem a ser governo. Neste caso, seriam coerentes com as ações do passado ou com os discursos do presente?
Lua de fel
Renan Calheiros acabará renunciando à presidência do Senado, mas não o fará sem prestar novos serviços à desmoralização do colegiado. Renderá ainda muitas homenagens à mesquinharia, ao apego e ao abuso do poder.
Agora com mais facilidade, pois age ao abrigo dos bastidores e de amigos senadores em cujas mãos, por tradição e antiguidade, firmam-se os cordões do manejo da burocracia da Casa.