artigo - Marco Antonio Rocha |
O Estado de S. Paulo |
15/10/2007 |
É pasmosa a facilidade com que os poderosos de plantão - e reforço essa expressão porque não é o caso de mencionar só os poderosos deste governo - se contradizem, se desdizem, mentem descaradamente e recorrem até a chantagem moral quando se trata de fundamentar suas infundadas teses. A mentira tem pernas curtas, diz o povo. Pode ser. Mas “a mentira roda meio mundo antes de a verdade ter tido tempo de colocar as calças”, ensinava Winston Churchill. E é disso que vivem os poderosos da política. O nosso presidente da República não é desse tipo. Ele não vive de mentiras. Mas é um poderoso que não tem nenhum compromisso com a coerência, como vários dos seus companheiros aprenderam e, por isso, dele se afastaram - alguns barulhentamente, como o grupo dos quatro (Heloísa, Babá, Luciana e Chico), outros, muito discretamente, mas todos, em menor ou maior grau, frustrados com a falta de apego, digamos assim, do líder, com o ideário petista. Todavia é assim mesmo que os poderosos sobem na vida: pisando nas crenças dos que lhes serviram de escada - intelectual, política, econômica ou eleitoral. E o que intriga é que não adianta falar disso para a massa dos fascinados com o demiurgo: não percebem ou não acreditam no que se aponta de contradições do líder, ou que ele se desdiga a cada passo, ou acham ainda que isso não tem importância, pois o importante é que ele continua realizando as demiurgias prometidas, no rumo e no ritmo que foram ensinados a acreditar que é melhor para o povo. Nosso atual presidente, por exemplo, passou a maior parte da sua vida pública criticando acerbamente a política econômica de sucessivos governos brasileiros, mas, particularmente, a do governo que o antecedeu - a política “neoliberal”, como ele e seu partido a apelidaram, e que virou uma marca, uma espécie de brand name detestável, como “Coca-Cola” ou “McDonald’s”, para a esquerda chique ou intelectual, coisa das mais sem sentido entre os muitos nonsense que a babaquice política cria. E proclamava em alto e bom som que iria “mudar tudo isso que está aí”. É claro que angariou adeptos, pois, de fato, os anos que precederam o seu mandato foram de grandes dificuldades internas e externas que atormentaram todos os governantes brasileiros - desde a penosa e prolongada renegociação da imensa dívida externa, legada pelos governos militares, até as turbulências recentes do mercado financeiro internacional geradas, basicamente, pelo clima de desordenada especulação financeira, irrompida com a primeira crise do petróleo e elevada ao paroxismo pela moderna tecnologia de transferência instantânea de ativos-papel, que o maior beneficiário dela, Bill Gates, proporcionou à humanidade. Sem falar que, no Brasil, a brutal inflação prevalecente até 1994 agravava tudo isso e elevava a natureza dos problemas à potência 10. Mas quem vinha para “mudar tudo” não mudou nada nessa área, ao contrário, obedeceu ainda mais literalmente ao código do “neoliberalismo” que condenava. Mas, agora, proclama-se autor do milagre e construtor da fase de bonança que a economia brasileira parece estar atravessando. Nem um faraó do Egito, olhando para as pirâmides, teria dito com tanta empáfia: olhem para a minha obra que sobreviverá aos tempos. As de Lula - em que pese uma inegável melhoria das condições de emprego, de salário, de consumo familiar, de vida, enfim, das parcelas mais carentes da população - ainda carecem de visibilidade. Um tipo de obra que grande visibilidade oferece foi marcado por famosa frase de um antigo presidente brasileiro: “Governar é construir estradas” (Washington Luís, 1927-1930). Nesse quesito, o governo atual praticamente não fez nada, mas empatou o que já poderia ter feito. Fiel ao seu discurso quando candidato, contra as concessões rodoviárias feitas no governo anterior, o presidente Lula estimulou indiretamente as badernas do MST nas praças de pedágio das rodovias privatizadas - hoje as melhores do País - e as retrógradas posições do governador do Paraná, cuja estranha política agora o conduz aos braços do novo líder da América Latina, Hugo Chávez. Lula na verdade atrasou em cinco anos todo um programa de melhoria do transporte rodoviário no Brasil. Mas isso não o impediu de festejar o sucesso do leilão de concessão de rodovias federais como uma grande vitória do seu esforço e do seu governo. Isso é o que se chama, no pôquer, a grande arte do blefe: o governo não tem cacife para bancar a mesa e construir estradas, tergiversa durante cinco anos e acaba obrigado a reconhecer que precisa entregar as obras à iniciativa privada - contra a sua vontade -, mas aí diz que era isso mesmo o que queria desde o começo e conseguiu fazer melhor do que o seu antecessor. Toda a política de privatização de empresas e de concessões do governo anterior é um sucesso absoluto, no que se refere à qualidade dos serviços prestados ao público: da telefonia, às ferrovias, aos portos, às rodovias, sem esquecer de empresas como Vale, CSN, Embraer, que hoje geram muito mais empregos, muito mais impostos, muito mais dólares para o Brasil do que quando eram estatais. Nada disso interessa aos que vêem aí uma conspiração para entregar as riquezas do Estado à ganância do capitalismo, sem perceber, ou fingindo não perceber, que foi isso que permitiu ao Estado brasileiro economizar os recursos que gastava com suas empresas e atividades deficitárias e empregá-los nos programas sociais que fizeram o sucesso de Lula. E continuarão fazendo, uma vez reaprovada a extorsão fiscal, chamada CPMF, da qual o governo não pode prescindir - segundo o ministro Mantega, que nos ameaça com a chantagem moral de substituí-la por outros impostos, mas não explica o que tem feito com o enorme excedente de arrecadação que já superou a previsão de receita da CPMF. Isso, no entanto, é tema para outro artigo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, outubro 15, 2007
A arte das contradições e das mentiras
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