Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 15, 2007

Ações contra a imprensa



editorial
O Estado de S. Paulo
15/10/2007

Uma pesquisa sobre os cinco maiores grupos brasileiros do setor de comunicação revela que o País é o campeão mundial de ações de indenização por dano moral impetradas contra jornais e jornalistas. Segundo o levantamento, feito pela organização não-governamental britânica Artigo 19, o número de ações indenizatórias contra os órgãos de imprensa no Brasil é praticamente igual ao número de profissionais que eles empregam em suas redações. A entidade, cujo nome vem do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que lidera uma campanha mundial em defesa da liberdade de expressão, considera a situação brasileira “preocupante”.

Segundo o levantamento da Artigo 19, até abril os cinco maiores grupos do setor de comunicação do Brasil empregavam 3.327 jornalistas e respondiam a 3.133 processos por dano moral. Além disso, enquanto o salário-base da categoria é de apenas R$ 2.205,00, não tendo sofrido aumento real nos quatro últimos anos, o valor médio das penas pecuniárias aplicadas pelo Judiciário quadruplicou no mesmo período, passando de R$ 20 mil, em 2003, para R$ 80 mil, em 2007.

A maioria das matérias jornalísticas que provocaram a abertura dessas ações por dano moral se refere a investigações sobre desvio de dinheiro público, nepotismo, tráfico de influência e abuso de poder praticados por dirigentes governamentais, parlamentares, promotores e até magistrados. Ou seja, por envolver corrupção e profissionais que atuam nos diferentes setores e instâncias da máquina estatal, as matérias são de inequívoco interesse público. Muitas vezes, além disso, as fontes de informações são os próprios órgãos institucionais encarregados de zelar pela probidade administrativa no setor público, como Tribunais de Contas, Controladoria-Geral da União e Ministério Público.

No entanto, valendo-se da Lei de Imprensa da época da ditadura militar e agindo com propósitos intimidatórios, os protagonistas dessas matérias jornalísticas batem às portas dos tribunais, com freqüência cada vez maior, para exigir indenização por dano moral. É isso que a Artigo 19 considera mais preocupante para o futuro da liberdade de expressão no País. “O crescimento exponencial das indenizações é uma tentativa dessas pessoas de usar o Judiciário para se protegerem das críticas”, afirma o jornalista Márcio Chaer, editor do Consultor Jurídico, site que há muito tempo vem chamando a atenção para esse problema.

Como muitas vezes o valor das indenizações estipulado pelos juízes é desproporcional ao eventual prejuízo causado por matérias jornalísticas à imagem pública dos autores das ações, o receio da Artigo 19 é que os órgãos de imprensa passem a praticar a autocensura. Mas o principal temor da entidade é com relação às ações que resultam na proibição de publicação de determinadas matérias, o que abre caminho para a censura prévia imposta por decisão judicial. Embora a censura prévia seja expressamente vedada pelo capítulo da Constituição relativo às garantias fundamentais, vem ganhando terreno nos meios forenses a tese de que é cabível impedir a publicação de notícias.

Essa tese já foi comentada há alguns anos pela atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, durante um seminário internacional promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Na ocasião, como foi noticiado pelo site Consultor Jurídico, ela afirmou que o Judiciário não restringe o livre exercício do bom jornalismo (grifo nosso). “Apenas manifestações dolosamente aberrantes do dever de bem informar têm merecido o repúdio dos tribunais”, concluiu. Esqueceu a atual presidente do STF, ao fazer esse comentário, que, como prescreve a Constituição, o controle da responsabilidade pelas matérias publicadas por órgãos de comunicação é feito a posteriori.

Em seu relatório, a Artigo 19 defende a substituição de sanções pecuniárias por outras formas de condenação, nas ações por dano moral, e sugere às empresas de comunicação a criação de códigos de autoconduta. São medidas sensatas, não há dúvida. Mas o grande desafio continua sendo a necessidade de se rever a legislação que, por meios indiretos, ameaça a liberdade de expressão consagrada na Constituição.

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