Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 04, 2007

RUY CASTRO

Sem mãe para deletar
RIO DE JANEIRO -
Quando saio ao terraço, vejo o garoto pela janela do prédio em frente, a partir de duas da tarde. Tem cerca de dez anos e passa o dia sentado em seu quarto, diante da televisão, e sempre num desenho animado. A diferença é que seu rosto fica a três palmos da tela, e esta é daquelas de parede, com mais de 50 polegadas. Ninguém assiste de tão perto a uma TV dessas.
Mas ele não está vendo TV. Está no computador -o teclado e o monitor ficam bem debaixo da supertela. A cena se repete pelo resto do dia e invade a noite e a madrugada. Quando eu próprio acho que é hora e saio apagando as luzes do meu apartamento, deixo-o lá, acordadíssimo, digitando sob um Pernalonga gigante.
Assim como eu, ele mora na quadra da praia, a qual não é de jogar fora. Vem gente de longe para conhecer o Leblon. Nesta semana, tivemos uma ressaca que atirou areia na pista, levantou parte do calçadão e fez a delícia dos surfistas. Foi um espetáculo bonito. Posso apostar que ele não desceu para apreciá-lo.
Corre na televisão um comercial de outro garoto sentado ao computador, sendo admoestado pela mãe: "Larga essa internet, Pedro Henrique!", ou coisa que o valha. Pedro Henrique, de frente para a câmera e de costas para a mãe, faz todas as caras de aporrinhação e tédio. A mãe não tem esse direito.
De repente, ele perde a paciência. Digita alguns controles e, ploft, "deleta" a mãe. Era o que faltava para a sua felicidade: livrar-se daquela chata. A internet agora é só dele -ou ele, dela.
Meu jovem vizinho aqui no Leblon é mais feliz: não precisa deletar a mãe. Nunca vi um adulto no dito apartamento. E, se houver, nunca foi a seu quarto mandá-lo largar o teclado e ir fazer qualquer outra coisa. Mas tanto faz se há ou não esse adulto. O guri mora sozinho.

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