Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 13, 2007

O dever de informar



Artigo - Carlos Alberto di Franco
O Globo
13/8/2007

A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras enviou ao presidente da República e ao presidente do PT, Ricardo Berzoini, carta na qual manifesta preocupação com a resolução do partido, aprovada recentemente, de "convocar detentores de mandatos públicos à mobilização" contra o que consideram campanha "da direita e de setores da mídia" contra o PT e o governo.

Trecho da carta dirigida ao presidente da República diz que o documento do PT foi aprovado e divulgado poucos dias após cobertura, pela mídia, de protestos que se seguiram ao acidente com o avião da TAM e das vaias dirigidas a Lula na abertura dos Jogos Pan-Americanos. "Tais manifestações devem ser vistas como uma crítica sistemática às autoridades de Brasília? Deveria a imprensa se calar diante desses eventos, deixando-os passar de forma despercebida?", pergunta a organização internacional. O diretor do Escritório para as Américas da entidade, Benoit Hervieu, falando ao jornal "O Estado de S.Paulo", foi ao cerne ético da questão: "Um país não pode se apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os problemas do país."

A informação não é um adereço. É o núcleo da missão da imprensa. O PT e o governo do presidente Lula manifestam crescente desconforto com aquilo que representam pilares da democracia: a liberdade de imprensa e o direito à informação. Não admitem críticas. Só aceitam aplausos. Mas, o mais espantoso, caros leitores, é que começam a ficar ouriçados com a simples exposição dos fatos. Investe-se, agora, não apenas contra a opinião, mas também contra a própria informação.

A incompetência do governo na gestão da crise aérea não é uma questão opinativa. É um fato. A recente declaração do presidente da República, de que não sabia da gravidade dos problemas do setor, num esforço evidente de jogar a batata quente para outros escalões, está em perfeita sintonia com o seu modo de agir. A estratégia é sempre a mesma: "Eu não sabia de nada".

O presidente conhecia perfeitamente a gravidade da crise aérea. Basta lembrar, por exemplo, o minucioso relatório que o então ministro da Defesa José Viegas encaminhou à Presidência da República, em 2003, alertando para as graves conseqüências que a falta de investimentos na segurança de vôo causaria.

Os relatórios, desde 2004, previram o caos nos principais aeroportos do país. Advertiram, reiteradamente, para "a diminuição do grau de confiabilidade e de oportunidade na prestação de informações aeronáuticas e meteorológicas às aeronaves domésticas e internacionais que cruzam o espaço aéreo brasileiro" como algumas das conseqüências dos cortes de investimentos no sistema de controle do tráfego aéreo. Sobravam reclamações sobre a manutenção, sobretudo no que se refere ao Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), região onde aconteceu o choque entre o jato Legacy e um avião da Gol, há dez meses, provocando a morte de 154 pessoas. Foi naquela região, coincidentemente, onde houve um recente blecaute elétrico que deixou às escuras o Centro Integrado de Defesa Aérea de Manaus (Cindacta-4).

Ademais, apesar de ter dito que passou as últimas campanhas eleitorais sem debater a crise aérea, alegando ter sido surpreendido pela dimensão do problema agora, Lula assinou artigo, em 2002, no jornal "Gazeta Mercantil" com sugestivo título: "Morte anunciada do transporte aéreo". No texto, crítico e contundente, o então candidato afirmava que a crise na aviação civil atingira "um estado terminal". De lá para cá, documentos e advertências se multiplicaram como cogumelos. O presidente da República, não obstante o alarido dos alarmes, nada fez. Só agora, após imenso desgaste e duas tragédias, nomeou um executivo para gerir a crise.

Não é correto, portanto, atribuir à imprensa uma "campanha contra o PT e o governo". Não tem sentido querer dar à exposição jornalística dos fatos qualquer viés antidemocrático. Afinal, Lula, nos seus 24 anos de oposição, foi o estilingue mais inclemente deste país. Sempre em nome da democracia. Agora, esquece o passado e vê ameaça à democracia em crítica ao governo. A mídia, no cumprimento rigoroso de sua missão de informar, continuará dizendo a verdade. Goste ou não o presidente da República.

CARLOS ALBERTO DI FRANCO é diretor do Master em Jornalismo.

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