O Fed reduziu ontem o custo do dinheiro aos bancos. Isso animou o mercado confirmando a idéia de que se pode sair desse rolo sem grandes perdas. Mesmo quem nunca parou para entender economia sabe que pagar prestações atrasadas de uma dívida com outro empréstimo maior é uma operação perigosa, que pode terminar muito mal. O mercado americano incentivou exatamente isso.
No princípio, os bancos centrais do mundo desenvolvido deixaram os juros baixos demais por tempo demais. O corte das taxas ocorreu após dois eventos e uma tragédia que ameaçavam jogar o mundo em recessão: o estouro das pontocom, a descoberta das fraudes contábeis em grandes empresas e o atentado às torres gêmeas.
Com a queda coordenada dos juros, passou-se muito tempo com taxas muito baixas, o que deu a partida para a onda de liquidez: dinheiro liberado pela política monetária expansionista atrás de ganhos maiores. Ele partiu em várias direções.
Para países considerados de alto risco e que, por isso, tinham taxas de juros maiores. No mercado doméstico americano, os bancos e financiadoras de imóveis abriram seus cofres para renegociações de dívidas que haviam sido emitidas com juros maiores.
Essa renegociação virou uma grande fonte de recursos para o mercado de consumo. Com prestações menores, o americano gastou mais.
O dinheiro disponível para o financiamento imobiliário levou uma legião de consumidores americanos a comprar seu imóvel ou a financiar a compra de um maior ou melhor.
Na visão brasileira de compra da casa própria, nós sonhamos com o momento da quitação. Só então, respiramos, livres dos juros e nos sentindo felizes proprietários. Não é assim lá. Eles financiam a compra a longo prazo. Se quitarem, pagam mais imposto.
O mercado americano de crédito é estável há tanto tempo que existe consolidado o conceito do cadastro positivo. Quem tem histórico bom paga juros menores.
Quem não tem paga juros maiores. Assim se diferenciam os nichos de mercados, os prime, near prime, subprime.
A ampliação dos créditos imobiliários foi injetando recursos na economia, que produziram a retomada do crescimento. Isso tudo é bom, e esse setor sempre foi tradicionalmente um gerador de emprego, renda e consumo em qualquer economia.
A bolha foi formada pelos excessos. Atrás de retornos maiores no mundo dos juros negativos, as grandes empresas imobiliárias e bancos passaram a oferecer crédito para quem não tinha renda, emprego nem bens. Foram concedidos, inclusive, para imigrantes não legalizados.
Com mais compradores no mercado, maior procura, houve mais valorização dos imóveis. Quem não conseguia pagar, pegava um empréstimo maior para pagar as prestações em atraso e financiar o imóvel novamente. A dívida havia crescido, mas os bancos diziam aos tomadores que não se preocupassem, pois seus ativos também tinham subido de preço. O consumidor se sentia mais rico, e estava mais endiv i d a d o .
Esses papéis de alto risco foram, como sempre acontece, passados adiante. Viraram recebíveis securitizados, revendidos a um mercado ansioso por rentabilidade.
Ao serem revendidos, foram reempacotados de forma criativa. A fórmula seguia a receita das agências de risco para dar nota boa.
Com notas boas, tinham mais aceitação.
Parecia o crime perfeito, porque o risco foi diluído entre os milhares de produtos lançados no mercado contendo a hipoteca daquele comprador que não tinha dinheiro para pagar.
A prática se disseminou.
Na Austrália, a empresa que faliu tinha um lema: “Sem dinheiro para a entrada, sem preocupações.” Os bancos, para fugir da fiscalização, descarregavam papéis de maior risco nos fundos. Os hedge funds, sem qualquer fiscalização, incluíam qualquer coisa em carteira que desse um grande rendimento.
O passo seguinte foi a alavancagem. Esses papéis podres garantiram operações oito a dez vezes maiores.
Todo esse consumo alimentou o risco inflacionário, e os juros foram subindo lentamente de 1%, em que ficaram no ano de 2003 até junho de 2004, para os 5,25%.
Quando a inadimplência começou a ficar alta demais, os preços dos imóveis começaram a cair. A procura por novos imóveis caiu, reduzindo mais o preço.
Os bancos e empresas imobiliárias tentaram puxar as rédeas. As agências de rating tinham começado, tempos antes, a rebaixar a classificação de algumas das centenas de papéis com maior risco. Esse desembarque só acentuou a queda.
Gente que sempre teve bom crédito começou a ser apertada por seus bancos.
Aí era uma questão de tempo até os bancos começarem a reconhecer que tinham rombos em seus ativos, papéis registrado por um valor acima do real. Foi assim com o Bear Stearns, com o BNP Paribas.
O pânico aconteceu porque o mercado sabe que esses papéis sem lastro estão espalhados, mas não sabe exatamente onde estão e quanto estrago já causaram nos fundos e nos bancos.
Os bancos centrais reagiram rapidamente, pois sabem que estavam andando em gelo fino, e têm medo de 1929. Naquela época, quando as ações começaram a cair, os bancos centrais reduziram a liquidez e precipitaram o abismo.
Hoje podem confirmar a idéia de que nenhuma irresponsabilidade será castigada no mercado globalizado, porque o risco de contágio é tão assustador que se paga qualquer preço pelo resgate.
Entrevista:O Estado inteligente
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