Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 12, 2007

DANUZA LEÃO

Os direitos do homem


Evite sofrer; ao menor sinal de que vai começar a tortura, pense em primeiríssimo lugar no que você quer

TODOS TEMOS diariamente, sempre, um monte de compromissos, sejam eles de um trabalho que se ficou de entregar até o final da semana, ao médico marcado, à ginástica. Tirando alguns deles, é preciso aprender, desde cedo, que não somos obrigados a quase nada, e até o filme que tanto queremos ver pode esperar até chegar no clube de vídeo ou passar na TV. Afinal, somos escravos de uma agenda ou pessoas livres?
É difícil ter consciência disso. Até os compromissos que assumimos com nós mesmos são dificílimos de serem cancelados, pois afinal -como aprendemos- compromisso é compromisso.
Exemplo: você se programou para viajar no fim do ano e sair fora do estresse das festas, de ouvir e ter que dizer Feliz Natal 500 vezes, para ficar só numa praia deserta olhando o mar e comendo peixe frito. Tudo bem, é seu direito. Mas lá pelo fim de novembro vai dando uma agonia; e se chover? E se o lugar indicado não for tão sensacional quanto dizem? E se cair em depressão? E o medo de se sentir tão só, mas tão só, que corre o risco de cair em prantos no ombro do primeiro desconhecido que aparecer? Começa a se sentir mal, mas a última coisa que passa pela sua cabeça é mudar os planos e cancelar a viagem, já que assumiu o compromisso de ir. Já pensou que bastaria um telefonema, um só, para resolver o problema?
Outra situação clássica é estar no melhor lugar do mundo, comendo as coisas mais deliciosas, comprando o que queria, e dar uma vontade louca de voltar antes da data prevista; e a coragem? Agora me diga: coragem de quê? Afinal, você é ou não é livre para ir e voltar de onde quiser, na hora em que quiser? Isso não faz parte do seu sagrado direito à sua própria vida? Seja corajosa; afinal, está com medo de quê?
Agora uma coisa mais banal ainda: está fazendo frio, você acordou mais tarde do que de costume e tem ginástica às 4h. Ginástica, para você, é sagrada, pois é uma questão de saúde, de bem-estar, e todos temos a obrigação de nos cuidar; mas naquele dia não está dando, e você começa a sofrer. Sofrer porque não passa por sua cabeça que pode perfeitamente cancelar a ginástica e ficar vendo um filme, mesmo idiota, na televisão.
Afinal, não estamos no exército, e talvez esta tarde passada em casa, com os gatinhos deitados no mesmo sofá com você, te faça mais bem à alma do que um ano de exercícios físicos. À alma, não ao corpo, mas nesse dia faça o que seu coração pedir. E prepare-se para passar um dia muito feliz, pois gazetear uma aula de ginástica é das coisas melhores do mundo.
E aquele jantar que parecia ser tão interessante? Muitos amigos, também gente desconhecida, até já tinha escolhido como ia vestida. Mas lá pelas 5h, 6h da tarde, pensa que só quer uma coisa na vida: ficar em casa sozinha, sem ter que conversar com ninguém, lendo um livro, o que não faz há muito tempo. Mas estão contando com você, que jurou que ia.
Começa o sofrimento entre o compromisso e a vontade: faz o quê? Pois não vá; simplesmente não vá, e talvez nem faça falta. Afinal, sua presença não é assim tão fundamental, e uma dor de coluna é fácil de inventar e não faz mal a ninguém.
E evite sofrer; ao menor sinal de que vai começar a tortura, pense em primeiríssimo lugar no que você quer, e siga o seu coração, sem culpas nem arrependimentos, porque esse é um dos maiores direitos do homem.
E eu vou seguir meus próprios conselhos e já já desmarcar minha ginástica de hoje.

danuza.leao@uol.com.br

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