Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 04, 2007

Caos aéreo


Como a lei protege
os passageiros

Tornou-se um martírio viajar de avião no Brasil. Eis os números mais recentes da Infraero: até 24% de vôos cancelados e 42% atrasados nos piores dias de julho – para não citar outros contratempos corriqueiros (e não menos desagradáveis), entre os quais overbooking e malas extraviadas.

São freqüentes nos saguões dos aeroportos relatos enfurecidos de vítimas do caos aéreo, como os dois passageiros que aparecem ao lado. A viagem de São Paulo a Navegantes consumiu doze horas do comerciante João Luiz Gonzaga, de 64 anos, com direito a pouso num aeroporto inesperado. A fisioterapeuta Cíntia Justus, de 24 anos, passou a madrugada no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Nenhum dos dois cobrou da companhia aérea o que lhes seria de direito em casos de espera tão prolongada – eles nem sabiam dessa possibilidade. Especialistas ouvidos por VEJA informam o que garante a lei nessa e noutras quatro situações típicas dos caóticos aeroportos brasileiros.

Situação 1
OVERBOOKING

O que diz a lei: vítimas da prática de overbooking – em que as empresas aéreas aceitam mais reservas do que comporta o avião – devem exigir da companhia o embarque no vôo seguinte, mesmo que seja de outra empresa, e o pagamento, ainda no aeroporto, de uma indenização cujo valor é definido de acordo com a distância até o destino planejado: de 300 a 500 reais. Enquanto o passageiro aguarda o próximo vôo, as eventuais despesas com alimentação, telefone, transporte e hospedagem são custeadas pela companhia aérea. Não deixe de guardar os recibos para pedir o reembolso. A empresa, por sua vez, tem até um mês para pagar o que deve. Não há limite de gastos preestabelecido, mas se julgá-los abusivos, a companhia se recusará a ressarcir o passageiro, e ele deverá recorrer à Justiça. Uma ressalva dos especialistas: quem não faz o check-in até meia hora antes do embarque em vôos domésticos e com uma hora de antecedência em viagens internacionais não é enquadrado como vítima de overbooking, mas, sim, como passageiro atrasado – sem nenhum direito por que brigar, de acordo com o Código Brasileiro de Aeronáutica

Roberto Seton
A fisioterapeuta Cíntia Justus passou a madrugada no aeroporto de Guarulhos, à espera de um vôo para Foz do Iguaçu: "Morri de fome. Os restaurantes estavam fechados, e a empresa não forneceu comida aos passageiros – apesar das súplicas"

Situação 2
O VÔO ESTA ATRASADO

O que diz a lei: a companhia aérea tem a obrigação de embarcar os passageiros no próximo vôo disponível ao destino planejado, mesmo que seja num avião de outra empresa. Essa é a parte mais conhecida da lei. O que a maioria das pessoas não sabe é que, depois de quatro horas de espera, o Código Brasileiro de Aeronáutica prevê duas recompensas a passageiros de castigo no aeroporto. A primeira é a cobertura de todas as despesas até o momento do embarque. A segunda recompensa pelo chá-de-cadeira é uma eventual indenização cujo limite é de 150 OTNs (cerca de 5 400 reais), válida para os casos em que o viajante provar à empresa que o atraso em questão resultou em prejuízo financeiro. Se a queixa for justa, e ainda assim a companhia se recusar a pagar a multa, o passageiro deve procurar um juizado voltado para pequenas causas. Os especialistas dizem que as chances de vencer na Justiça aumentam quando a responsabilidade pelo atraso é facilmente atribuída à empresa – e não a fatores alheios a ela, como o mau tempo

Situação 3
O VÔO FOI CANCELADO

O que diz a lei: caso o passageiro tenha sido avisado sobre o cancelamento até 24 horas antes do embarque, ele não tem direito a nenhuma reparação financeira pelo imprevisto. A situação de longe mais freqüente em tempos de crise aérea, no entanto, é a do cancelamento de vôos em cima da hora. Quando resulta num atraso de mais de quatro horas, deve ser recompensado com duas medidas por parte da companhia aérea: o pagamento de todas as despesas dos passageiros até que embarquem no avião e uma eventual indenização de no máximo 150 OTNs (cerca de 5 400 reais), para quem tiver como comprovar prejuízos financeiros decorrentes da espera prolongada

Roberto Seton
O comerciante João Luiz Gonzaga levou doze horas para ir de São Paulo a Navegantes ­ e ainda desembarcou no aeroporto de Florianópolis, a uma hora e meia de carro do destino planejado: "Pelo menos a companhia pagou meu táxi"

Situação 4
O AVIÃO POUSOU NUM AEROPORTO DIFERENTE DO PLANEJADO

O que diz a lei: é da companhia aérea a responsabilidade de providenciar o traslado aos aeroportos previstos na passagem: seja na hora do embarque, para levar os passageiros ao novo aeroporto de onde sairá o avião, como no momento do desembarque, para transportá-los àquele para o qual estava planejada a aterrissagem. A lógica vale, inclusive, para mudanças de planos provocadas por razões alheias à companhia, como o mau tempo. Em alguns casos, as empresas têm oferecido aos passageiros ônibus ou vans. Noutros, fornecem vouchers. Caso contrário, resta a opção de pegar um táxi e apresentar o recibo mais tarde. Costuma funcionar

Situação 5
O PASSAGEIRO CHEGA, AFINAL, AO DESTINO PREVISTO – MAS SUA MALA, NÃO

O que diz a lei: a empresa tem até um mês para devolver a bagagem. Para dar a partida na busca pela mala, o passageiro preenche um formulário da companhia aérea. Enquanto ela não chega, os gastos com roupas são reembolsados pela empresa. Se a mala jamais for encontrada, de novo é o Código Brasileiro de Aeronáutica que prevê reparações financeiras: de 3 OTNs por quilo de bagagem (cerca de 100 reais). Trata-se, em geral, de um valor baixo em relação ao do conteúdo da mala. Para o viajante proteger-se disso, os especialistas sugerem uma medida preventiva: registrar os objetos de valor trazidos na mala na hora do check-in. A companhia, nesse caso, será obrigada a levar em consideração tais quantias ao calcular o prejuízo do passageiro – e o valor da multa certamente subirá

A briga na Justiça

A quem os especialistas indicam recorrer quando
a empresa aérea se recusa a pagar o que deve:

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL ESTADUAL (ex-Juizado de Pequenas Causas)
Quando procurar: a ação movida contra a companhia aérea deve ser de até quarenta salários mínimos
Comentário dos especialistas: não é preciso contratar advogado, e 90% dos passageiros costumam receber o que pedem às empresas

VARA CÍVEL ESTADUAL (Justiça comum)
Quando procurar: no caso de ações cujo valor seja superior a quarenta salários mínimos
Comentário dos especialistas: esteja pronto para gastar dinheiro com advogados, esperar ao menos dois anos por um desfecho e ter ressarcidos cerca de 50% do valor da ação

PROCON
Quando procurar: em qualquer uma das situações ao lado
Comentário dos especialistas: não há despesas com advogado, mas as chances de vitória são mínimas – nem acordos sobre o reembolso de uma corrida de táxi têm vingado




Indenizações na

corte americana

A família do executivo Ricardo Tazoe, uma das vítimas do acidente com o vôo JJ-3054 da TAM, foi a primeira a procurar a Justiça dos Estados Unidos para pedir indenização, na semana passada. Tazoe tinha 35 anos e a cidadania americana. Mas esse não é um pré-requisito para recorrer à Justiça de lá. Em outros dois acidentes aéreos ocorridos no Brasil – com um avião da TAM, em 1996, e um da Gol, em setembro do ano passado –, a maioria dos parentes foi aos Estados Unidos para cobrar as indenizações a que tinha direito. Os especialistas explicam quando os brasileiros têm direito a acionar a Justiça americana e dizem por que esse pode ser o melhor caminho.

Quando é possível acionar a Justiça americana em caso de acidente aéreo ocorrido no Brasil?
Sempre que as empresas envolvidas – direta ou indiretamente – no acidente operarem em solo americano. Esse é o caso da TAM, da Airbus (fabricante do avião acidentado), da Goodrich Corporation (responsável pela manutenção) e da International Aero Engines (que produziu as turbinas e os reversos)

Por que vale mais a pena pedir a indenização nos Estados Unidos do que no Brasil?
1. Ações como essas levam em média três anos para ser concluídas nos Estados Unidos. No Brasil, consomem cinco anos

2. O valor das indenizações concedidas pela Justiça americana é maior. Por danos morais, a média é de 2 milhões de reais, contra 260000 reais no Brasil. Em relação à indenização por danos materiais, a vantagem de pedi-la nos Estados Unidos é que lá se paga até cinco vezes mais aos parentes das vítimas

Como entrar com uma ação na Justiça americana?
Deve-se contratar um advogado habilitado a atuar nos Estados Unidos. Existem profissionais brasileiros que trabalham em parceria com escritórios de advocacia americanos especializados nesse tipo de causa. Em caso de vitória, o advogado embolsa cerca de 30% do valor da indenização

Ação nos Estados Unidos

Photoon

A terapeuta Neusa Machado perdeu o marido, o engenheiro Valdomiro Machado, então com 61 anos, no acidente com o avião da Gol, em setembro do ano passado. Ela e outros 101 familiares das vítimas entraram com ações contra os fabricantes do avião nos Estados Unidos. Os processos correm na Justiça de Nova York. A primeira audiência será neste mês

Viagem por terra

Marcio Fernandes/AE

Três alternativas para ir de São Paulo ao Rio de Janeiro sem precisar enfrentar o aeroporto. A duração da viagem é a mesma nos três casos, de cinco a seis horas

CARRO

Quanto custa*: 130 reais (100 reais de gasolina + 30 reais de pedágio)
Dica dos viajantes: evitar o horário entre 16 e 20 horas – o mais movimentado na Rodovia Presidente Dutra – e optar pela Rodovia Carvalho Pinto (foto), no trecho que liga Taubaté a São Paulo. Ele é mais longo, mas quase nunca engarrafa

ÔNIBUS

Quanto custa: de 50 a 110 reais (www.autoviacao1001.com.br, www.expressodosul.com.br e www.itapemirim.com.br)
Dica dos viajantes: ir de ônibus-leito, à noite. As poltronas se inclinam 170 graus, quase como uma cama. Há uma fileira de assentos individuais. Opte por ela, de preferência situado no meio do ônibus, onde o sacolejo é menor

TÁXI

Quanto custa: de 900 a 1100 reais (ida)
Dica dos viajantes: chamar um taxista de cooperativa – é mais fácil negociar preços e condições da viagem com ele do que com motoristas que fazem ponto no aeroporto. Num dos arranjos mais freqüentes, o taxista faz a viagem de ida e volta, fica à disposição do passageiro durante um dia e cobra 1 500 reais

* Valores médios

Especialistas consultados por VEJA: Arthur Ballen, Bruno Gomes, Carlos Paiva, João Carlos Violante, Leonardo Amarante, Luiz Roberto de Arruda Sampaio, Renato Guimarães Jr., Ricardo Martínez-Cid e Valeska Teixeira Martins

Com reportagem de Camila Antunes, Daniel Salles, Leoleli Camargo e Daniele Menezes

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