As três idéias sobre a CPMF
A CPMF surgiu em 1993 como imposto (IPMF), de caráter transitório e emergencial, para permitir um ajuste fiscal no momento em que se intensificavam os efeitos fiscais desastrosos da Constituição de 1988. Sua arrecadação permitiria certa normalidade fiscal à medida que seriam promovidas reformas para reduzir a rigidez fiscal gerada pela cidadã. Por força de norma constitucional (artigo 157, inciso II), 20% de sua arrecadação pertenciam aos Estados e municípios.
Em 1996, o IPMF foi substituído pela CPMF, com a vantagem, para a União, de não ser partilhável com os governos subnacionais, eis que pertence ao Tesouro a totalidade da receita de contribuições. Desde então, essa incidência vem sendo sistematicamente prorrogada, ainda que mantenha seu caráter "provisório". Se o governo conseguir aprovar sua proposta, essa aberração tributária terá sobrevivido por pelo menos dezoito anos.
A CPMF foi inspirada na proposta do imposto único sobre transação financeira, que reuniria o sistema tributário em uma só incidência. Era uma falsa idéia, mas conquistou os muitos que não atentaram para suas nefastas conseqüências. Por razões insondáveis, Roberto Campos apoiou a idéia. Com fina ironia, o conhecido economista encontrou a explicação: Campos estava desencantado com a irracionalidade do sistema tributário. Via no imposto único uma forma de implodi-lo. Do caos nasceria algo novo e bom.
A partir da Segunda Guerra, reformas tributárias em todo o mundo consagraram os princípios econômicos da tributação moderna, que define três bases de arrecadação: o consumo, a renda e a propriedade (ou riqueza). Além disso, nenhum tributo deveria ter efeito cumulativo, isto é, incidir em cascata. A CPF não observa nenhuma dessas bases. Pior, incide em cascata. Pior ainda, tributa transações financeiras, criando ineficiências nos mercados de crédito e de capitais, o que conspira contra o desenvolvimento.
Não é sem razão, pois, que nenhum país que tenha dado certo ou que esteja no caminho para se tornar desenvolvido adota uma sandice como a CPMF. No Brasil, além do mais, a CPMF encantou a Secretaria da Receita Federal, que se deu conta do poder de fiscalização dessa incidência tributária. Gente boa defende a sua manutenção com uma alíquota "baixinha" apenas para fins de fiscalização, como se o sistema tributário precisa de um tributo para combater a sonegação. Ninguém recorreu a isso em canto nenhum.
A proposta do DEM é a melhor por duas razões. Primeira, livraria o Brasil dessa excrescência tributária. Segunda, forçaria o governo a cortar gastos correntes e a propor reformas para reduzi-los ainda mais no futuro, via mudanças estruturais. Restabelecer-se-ia a racionalidade na gestão orçamentária, perdida com a desastrada Constituição de 1988 e com os aumentos irresponsáveis dos gastos previdenciários nos governos FHC e Lula
A idéia do PSDB é a pior porque a partilha de recursos com os Estados e municípios contribuiria para elevar gastos correntes, principalmente os de pessoal (como aconteceu com a partilha de 1988). Pior, a partilha de um tributo que já tem cara de permanente criaria interesses irremovíveis de governadores e prefeitos, que jamais concordariam com a extinção da CPMF. Dificilmente o Congresso resistiria a pressões para manter a aberração e mesmo elevar suas alíquotas no futuro. Seria um desastre. Parece até que o PSDB perdeu a esperança de um dia voltar ao poder federal.
A menos arriscada é a do governo, por incrível que pareça. A rigor, se parar de elevar os gastos correntes e, melhor, se fizer cortes, será possível conviver sem a CPMF e gerar superávits primários como os dos últimos anos. Acontece que estamos diante de um governo sem apetite para reformas estruturais no campo fiscal e sem disposição para cortar gastos. Forçá-lo a mudar sua natureza poderia dar em nada. No final, correríamos o risco de reduzir os superávits primários e de recriar a vulnerabilidade fiscal.
Infelizmente, é preciso conviver com certas realidades. Por incrível que pareça, aprovar a proposta do governo parece ser, nas atuais circunstâncias, o menos ruim dos mundos.