Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 14, 2007

Arnaldo Jabor - O menino de fogo saiu do ventre da mamãe

Eu ia escrever sobre as bombas de lama que caem sobre a população brasileira, mas não agüento mais manetes, groovings, Infraero, pepinos do brigadeiro, tudo por causa da explosão do Airbus sobre São Paulo, que uma mistura suja de incompetência, ganância de lucros, ausência de manutenção pela extinção da tradição da Varig, virou na massa sangrenta implodida semana passada. Além disso, cumpro a tradição, pois quase sempre escrevo sobre Hiroshima e Nagasaki, nestes dias de agosto, pois acho que 6 de agosto de l945 não pode ser esquecido. Vejam o horror "freudiano": o avião que largou a bomba A em Hiroshima tinha o nome da mãe do piloto na fuselagem - "Enola Gay" - e a bomba que saiu de seu ventre chamava-se "Little Boy" - "o menininho saiu do ventre da mamãe". Isso explica a América louca de hoje. Essa foi a mãe de todas as bombas, um feto do demônio que exterminou 40 mil crianças em 15 segundos.

Enquanto o Holocausto dos judeus na 2ª Guerra fecha o século 20, dando conta de contradições ainda do século 19, o espetáculo de Hiroshima marca o início da guerra do século 21, que teria sua resposta invertida na destruição do WTC em 2001, 56 anos depois.

Hiroshima e Nagasaki foram um trailer, pois brevemente (sinto prever o óbvio) veremos bombas atômicas explodindo por mãos de malucos do Islã, o que é fácil de imaginar, pois com a queda inevitável do general Musharraf no Paquistão - que tem bombas - está escondido o demônio Osama, apoiado na retaguarda pelos talebans. É acima de qualquer espanto que a besta apocalíptica do Bush não tenha ido atrás dele. Despejou tudo no Iraque, criando mais portos seguros para os malucos. Mas, essa hedionda estupidez da América é outro assunto. Voltemos a Hiroshima e Nagasaki.

Auschwitz e Treblinka ainda eram "fornos" da Revolução Industrial, mas Hiroshima inaugurou a guerra tecnológica, virtual, asséptica. A extinção em massa dos japoneses no furacão de fogo fez em 1 minuto o trabalho de meses e meses do nazismo. O que mais impressiona em Hiroshima é a eficiência, sem trens de gado humano, a morte "on delivery", "fast", "clean", anglo-saxônica. A bomba americana foi uma "vitória da ciência". Hiroshima e Nagasaki dão inicio à guerra "limpa", do alto, prefigurando Guerra do Golfo, Afeganistão e Iraque 2, que acabaram ficando sujas também. E que vão acabar espirrando em Nova York.

Os nazistas eram loucos, matavam em nome do ideal psicótico e "estético" de "reformar" a humanidade para o milênio ariano. As bombas americanas foram lançadas em nome da "Razão".

Na luta pela democracia, queimaram como "shitakes" os "japorongas", seres oblíquos que, como dizia Truman em seu diário: "São animais cruéis, obstinados, traidores." A bomba A foi rápida e eficiente como um detergente, um mata-baratas.

Ainda hoje é fascinante ver as racionalizações que a América militar inventou para justificar seu crime. Truman escreveu: "Eu queria nossos garotos de volta (?our kids?) e ordenei o ataque para acelerar essa volta." Diziam também que Hitler estava perto de conseguir a bomba, o que é mentira. A destruição de Hiroshima foi "desnecessária" militarmente. O Japão estava de joelhos, querendo preservar o imperador Hirohito e a monarquia. Além disso, os americanos queriam se vingar de Pearl Harbour, de surpresa. Queriam também intimidar a União Soviética, pois começava a guerra fria, além, claro, de exibir para o mundo uma superprodução em cores que enfeitasse a nova era do Império. A alegria mundial sufocou o horror. A bomba gerou até moda - lembro de minha mãe com coques altos chamados de penteado "Bomba A". O Holocausto sujou para sempre o nome dos alemães, mas Hiroshima soa quase como uma vitória tecnológica "inevitável". A opinião pública celebrou na Quinta Avenida. Era o início de uma era de prosperidade e esperança na América, dos musicais de Hollywood, pois o Eixo do mal estava derretido. Naquele ambiente mundial não havia conceitos disponíveis para condenar esse crime hediondo. Só restaram o desalento, o niilismo, a literatura do absurdo em meio às ruínas. A euforia americana avança até 1949, quando a bomba H soviética acaba com a festa, instilando a paranóia nacional que vai crescer muito em 1957, quando sobe o "Sputnik" - eu estava lá: parecia um 11 de Setembro.

Escrevo isso porque vivemos a era inaugurada por Hiroshima: um tempo em que a morte, ou melhor, o suicídio da humanidade virou uma escolha político-militar. Os computadores do Pentágono continuam atômicos? Sim. Tanto é, que estão recauchutando 10 mil bombas "velhas", para que rejuvenesçam e durem mais. Podem destruir o mundo 40 vezes, o que tira dos homens o mistério, o destino desconhecido regido por deuses, e, obviamente, desestimula qualquer esperança de Razão, projeto, cultura. O Holocausto ainda tinha o desejo sinistro de produzir um "sentido" para a matança, um futuro milênio ariano.

Com Hiroshima, inaugurou-se a "guerra preventiva" de hoje. Vivemos dois campos de batalha sem chão; de um lado, a máquina americana comandada pela lógica de um turbo capitalismo que raspará qualquer obstáculo a seu desejo. Do outro lado, temos os homens-bomba multiplicados por mil, graças à América também. Um dia eles chegarão à Broadway, com bombas sujas ou não.

Não há mais objetivos ideológicos ou humanos no comando. No lado Ocidental, quem mandam são as Coisas. A fim de proteger a lógica do petróleo, do poder de controle, qualquer arrasamento de terreno será possível. Querem ficar no Iraque mesmo derrotados. A loucura americana - encarnada pelo embaixador das Coisas, o Bush - está mais exposta.

Estamos assim: de um lado, a Coisa. Do outro, Alá. A pulsão de morte e o desejo de mercado se encontraram finalmente. Quem vai controlar?

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