Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 11, 2007

A UNE em estado de alienação



Editorial
O Estado de S. Paulo
11/7/2007

No comando da União Nacional dos Estudantes (UNE) há uma geração, o PC do B tornou a liderar a chapa vitoriosa na nova eleição da entidade, domingo, em Brasília. Conduzida pela militante gaúcha Lúcia Stumpf, 25 anos, aluna de uma faculdade particular de jornalismo em São Paulo, a fronda oficial recebeu 72% dos votos de 2.700 delegados. A sua composição espelha o núcleo da base parlamentar governista, embora com pesos diferentes e, naturalmente, sem a participação de representantes dos partidos de direita que engrossam o lulismo. A chapa inclui, além dos chamados comunistas, representantes do PT (devidamente fragmentados em tendências), PMDB e PSB. A eleição foi o ponto culminante do 50º Congresso da UNE em 70 anos de uma existência que já conheceu dias melhores, na legalidade ou na clandestinidade.

Afinal, a primeira bandeira da organização nascida sob o signo do pluralismo, sob o Estado Novo de Vargas, foi a do envio de tropas brasileiras para lutar contra o nazi-fascismo na Europa, com o qual o ditador flertara antes que ficasse clara a direção dos ventos da conflagração mundial. Dizimada pelo regime militar de 1964 e reconstruída em 1979, de novo se alinhou na vanguarda do combate democrático, encarnado, dessa vez, no movimento das Diretas-Já.

Hoje, o seu principal estandarte é a demanda pela decapitação do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. (Antes o vendilhão da Pátria era Palocci, quando o então ministro da Fazenda personificava a continuidade da política econômica “neoliberal” de Fernando Henrique.) O supra-sumo da falta de caráter político dos congressistas da UNE foi poupar o presidente Lula enquanto demoliam o modelo que ele não se cansa de louvar.

Dificilmente se encontrará, hoje em dia, nos países livres, uma associação que se pretenda representativa da população universitária e seja tão submissa a um chefe de governo, tão pelega como esta peculiar organização de jovens destituídos de espinha dorsal. Deles se pode dizer que, se são loucos, não rasgam nota de mil. No mais, o furor de suas divergências, quando existem, lembra a arguta observação de que, em qualquer instituição, as disputas tendem a se radicalizar tanto mais quanto menor for a relevância do que, a rigor, está em jogo. O que a UNE apóia ou condena não faz a menor diferença para a imensa maioria dos seus supostos representados, que dirá da sociedade em geral. O congresso da entidade, aliás, ignorou o fato mais importante do ano até aqui no setor - a ocupação, durante 50 dias, do prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), iniciada e mantida à revelia do PC do B.

A falta de representatividade da UNE foi indiretamente admitida pelo antecessor da recém-eleita presidente Lúcia Stumpf, o seu correligionário Gustavo Petta. Ele atribuiu a retórica radical que predominava no congresso ao fato de ser muito jovem a grande maioria dos participantes, alunos do 1º e do 2º ano das faculdades. “O pessoal mais adiantado”, comparou, “é absorvido pela lógica do mercado.” Ou seja, não está nem aí para as proclamações ou conclamações da militância.

Ainda assim, elas merecem registro, como sintomas de uma mentalidade debilitada pelo uso abusivo de teorias conspiratórias - nenhuma delas mais entusiasticamente acolhida do que a dos intentos antinacionais e antipopulares da “mídia burguesa”. Nesse palco, em que a indigência se estendia até onde a vista alcançasse, ouviu-se que a imprensa fabrica escândalos para solapar o governo Lula e “combater o avanço do socialismo”.

Já não se trata só do fartamente demonstrado esquema do mensalão. Do complô da mídia faz parte a invenção de outras falsidades como seriam o escândalo dos sanguessugas - que envolveu políticos das mais diversas legendas -, a investigação das nebulosas movimentações financeiras que assombram o presidente do Senado, Renan Calheiros, e as incontestáveis revelações que levaram o seu colega de PMDB Joaquim Roriz à renúncia para impedir o processo contra ele no Conselho de Ética da Casa, por quebra de decoro parlamentar. Quando acusações dessa espécie à imprensa reverberam no plenário da UNE é porque se está ali em pleno território da patologia que em outros tempos era conhecida como alienação - só que no sentido clínico do termo.

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