O Estado de S. Paulo |
11/7/2007 |
Em seus conselhos ao Príncipe, Maquiavel argúi que 50% das ações dos homens são regidas pela fortuna, o contexto em que são exercidas. A outra metade dependeria da virtù, isto é, das opções conscientes que adotamos, da ética da responsabilidade, aquela que, na formulação clássica de Max Weber, leva em conta conseqüências, e não apenas intenções. Para que o ator possa exercitar sua virtù e, assim, aproveitar circunstâncias favoráveis, é preciso ocorrer a occasione, a oportunidade. A etimologia da palavra oportuno provém, segundo mestre Houaiss, da raiz latina opportunus, o vento que sopra em direção ao porto. Combina o prefixo ob (para diante) e Portunus, deus dos portos. Virtude cidadã, para poder fazer valer sua opção, pressupõe, ainda, inovação criativa, informação atualizada e sabedoria para transformar informação em conhecimento eficaz. Para exercê-la é indispensável saber a que porto queremos chegar. Mais do que projetos grandiosos, o que é indispensável, como nos ensinou Hauriou, é termos clareza sobre a “idéia da obra a realizar”, do Brasil que almejamos construir. Uma vez visualizado esse Brasil de nossos sonhos, é preciso persegui-lo com perseverança, essa grande virtude paulina. Isto pressupõe manutenção da direção escolhida e resistência a duas pragas da vida política brasileira: a captura de políticas públicas por interesses especiais da mais variada natureza - econômicos, partidários, corporativos, ideológicos - e a tendência a começar tudo de novo, desprezando a herança legada pelos predecessores. O bem comum e a verdade são substituídos pela defesa do interesse próprio e pela autolouvação. A perseverança através de vários mandatos presidenciais permitiu os avanços institucionais que acabaram viabilizando a consolidação do arcabouço macroeconômico e proporcionaram ao Brasil estabilidade econômica e queda na vulnerabilidade externa. Infelizmente, a melhora macroeconômica e seus frutos imediatos não foram acompanhados por avanços correspondentes na governança do Estado e na definição de reformas, tanto as estruturais quanto as microeconômicas. Pretendendo “mudar a geografia econômica do mundo”, não soubemos compreender as implicações, os riscos e as oportunidades da “nova economia”, da sociedade do conhecimento, da globalização, do nível inédito de crescimento mundial, da liquidez internacional quase ilimitada e dos preços das matérias-primas em alta, o que nos abriu inédita janela de oportunidades. Desperdiçamos cinco anos sem aproveitá-las. Saberemos fazê-lo antes da “viragem dos ventos”? O Brasil tem revelado insuspeitada capacidade de administrar crises, haja vista as muito que superamos desde a crise do petróleo de 1973. Em contraste, não temos sabido aproveitar as oportunidades que nos têm sido oferecidas. Burocracia sufocante, gasto público ineficaz, carga tributária que penaliza poupança e investimento, educação menosprezada, infra-estrutura deteriorada, marco legal-regulatório incerto que, em vez de atrair, afasta investimentos, leniência com a corrupção, inapetência de reformar estruturas anquilosadas, mentalidade refém de realidades e mitos ultrapassados e insuficiente abertura ao mundo, esse conjunto nefasto vem inibindo, há muito, nosso desenvolvimento econômico, social e político. Saber administrar crises nos afastou, é verdade, do risco de despencar no abismo. Mas nossa incapacidade de aproveitar oportunidades pode acabar nos conduzindo a perigo não menos tolerável. Quer por conformismo ou por incapacidade de perceber a dimensão dos desafios, estamos correndo o risco de resvalar, pouco a pouco, para o pântano da mediocridade, da irrelevância, enquanto o mundo se reinventa a galope. Não nos podemos contentar com tal destino. Continuar empurrando com a barriga a agenda de “aggiornamento”, de modernização do Estado e de reengenharia da economia, no momento em que somos desafiados pela China e pela Índia, que se agigantam, acabará nos levando a um beco sem saída. Urge reagir, optando por educação universal de qualidade, trabalho incansável, poupança e investimentos ampliados, mecanismos de mercado sujeitos apenas à supervisão de agências reguladoras confiáveis para reprimir imperfeições de mercado - cartéis, concorrência desleal e outras práticas irresponsáveis. Temos de resgatar a ética como fio condutor do convívio social, tanto no setor privado, quanto no público. Há que rejeitar desde os “pequenos” desvios de conduta - sujar a rua, furar o sinal, subornar o guarda de trânsito - até a corrupção em todas as suas formas: ineficiência, suborno, desvio de recursos públicos por dirigentes ou autoridades que por eles deveriam zelar. Não nos podemos contentar com o “mais ou menos”, com um gradualismo sem grandeza, com o estancamento do processo de reforma do Estado e de modernização da economia. Dar prioridade aos programas sociais é imposição ética inadiável, em sociedade com aberrante desigualdade. Privilegiar, entretanto, o consumo privado e o gasto público corrente, em vez do investimento, priorizar o passado, os 6% da população idosa - em que me incluo -, gastando 12% do PIB em aposentadorias e pensões, enquanto destinamos muito menos ao futuro, à infância e juventude, é opção equivocada, não fatalidade. Está ao nosso alcance afastar o risco da mediocridade, retomando o caminho da modernização institucional, da competitividade internacional, do desenvolvimento sustentável com eqüidade social e respeito ao meio ambiente, da prosperidade econômica e da liberdade política em seu sentido mais pleno, sem riscos de retrocessos nostálgicos, recaídas populistas ou tentações autoritárias. |
Entrevista:O Estado inteligente
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