No Brasil presidido por Luiz Inácio da Silva é assim: o governo não sabe o que fazer, faz qualquer coisa e ainda quer que o País reaja sereno, quando não agradecido. O presidente da República talvez se surpreenda e ainda mais uma vez se sinta injustiçado com a avaliação de que seu pronunciamento à Nação na noite de sexta-feira foi pífio.
Falhou no quesito emoção, porque lhe faltou a veracidade da manifestação de solidariedade no momento exato da comoção e falhou no requisito administração, ao anunciar medidas para minorar os riscos futuros, menosprezando a gravidade dos fatos e, sobretudo, insistindo em não dar à crise aérea a sua real dimensão.
O máximo a que se permitiu foi reconhecer que o sistema de tráfego aéreo passa por “sérias dificuldades”. Isso, dez meses e 350 mortes depois de repetidas e não resolvidas demonstrações de que a situação está absolutamente fora do controle.
Falou como se a crise tivesse começado com o desastre de terça-feira à noite e se encerrasse com alterações no “perfil operacional” do Aeroporto de Congonhas, no anúncio sobre “estudos” para a construção de um novo aeroporto em São Paulo (em área ainda não determinada, conforme informou com caprichada grosseria a ministra Dilma Rousseff), na promessa vaga de “modernização” do sistema aéreo e na difusa referência ao “fortalecimento” da Agência Nacional de Aviação Civil - personagem naquele mesmo dia do debochado episódio de condecoração de seus incompetentes dirigentes por “serviços prestados ao País”.
Para o presidente parece que não houve o acidente da Gol, não aconteceram suas nefastas conseqüências, não há um desacerto aberto no serviço de controle de vôos, não existiu inversão de prioridades nas obras de embelezamento dos aeroportos em detrimento da segurança, é obra de ficção a sobejamente demonstrada inépcia em todas as cadeias de comando do setor, não há no País um ministro da Defesa incompatível com o cargo, inexiste o descompasso entre demanda de passageiros e oferta de infra-estrutura, seguindo, ademais, tudo normal num ambiente em que a ganância das companhias aéreas regula as ações da agência criada para regulá-las.
Certamente foi por isso que apenas ontem se reuniu o Conselho de Aviação Civil, nem uma só vez convocado desde o início do calvário dos passageiros nos aeroportos.
Ao fim de seu pronunciamento, o presidente pediu serenidade aos brasileiros, que dele esperavam mesmo era mais seriedade. Já que não adianta cobrar celeridade.
Agora, uma coisa Lula percebeu ao evitar comparecer ao enterro do senador Antonio Carlos Magalhães: que daqui em diante ficará mais difícil aparecer em público fora de solenidades oficialmente controladas.
Passo adiante
Por dois dias e três noites o governador José Serra aguardou um telefonema, um e-mail, um contato, enfim, do presidente Luiz Inácio da Silva.
Como esperou em vão, Serra enviou a ele por escrito e mediante ampla divulgação, o que pretendia lhe transmitir antes ao telefone: um diagnóstico da situação e um conjunto de propostas de ações que, divulgados na véspera da quebra do silêncio presidencial, só tornaram mais vazio o seu pronunciamento à Nação.
Berço esplêndido
No quesito omissão pós-desastre da TAM, justiça seja feita ao Poder Executivo, ele não esteve sozinho. O Legislativo lhe fez companhia.
Enquanto nos Estados Unidos a presidente da Câmara dos Representantes (deputados), Nancy Pelosi, fez uma homenagem às vítimas, aqui o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, não atendeu ao pedido do deputado Raul Jungmann para a convocação da comissão representativa que, no recesso, representa o Parlamento.
E não o fez pelo pior dos motivos: para não abrir espaço à retomada do debate sobre seu processo por quebra de decoro parlamentar.
Aqui, de novo justiça se faça. E justamente ao presidente do Senado, pois, à exceção de protestos de Jungmann e seu partido, o PPS, ninguém mais fez qualquer movimento para reforçar o pedido de convocação. Ficaram todos na posição que lhes pareceu mais confortável: de joelhos.
Outras intenções
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, considerou injusta e equivocada a interpretação de que seu discurso na última terça-feira pregando a adoção de uma “nova ética” no País para todos, autoridades, sociedade e imprensa, deixava transparecer a intenção de amenizar a situação do senador Renan Calheiros, por tratar de reportagens sobre processos de que são alvos diversos senadores. Estaria assim, socializando preventivamente os prejuízos.
Segundo o tucano, seu propósito foi o oposto: “Com aquele discurso eu busquei abortar uma manobra, com as digitais do governo, de tentativa de desqualificar o colégio de senadores para julgar o presidente da Casa.”
E-mail: dora.kramer@grupoestado.com.br
Serra pede providências do Planalto |
Ricardo Brandt e Roldão Arruda |
O Estado de S. Paulo |
20/7/2007 |
Segundo governador, sociedade tem o direito de exigir o fim de fatores que geram os riscos de acidentes O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), endereçou ontem um ofício ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrando providências capazes de garantir a segurança do tráfego aéreo no País. Segundo o governador, "a sociedade como um todo tem o direito de exigir que a Anac e a Infraero, sob a orientação do presidente da República, realizem o que lhes compete e com a urgência que é imposta pela natureza dos interesses confiados à sua presença". A cobrança do governador, que teve o apoio do prefeito Gilberto Kassab (DEM), foi feita por meio de um ofício especial enviado à Presidência da República. O texto afirma que, independentemente do resultado da apuração das causas do acidente com o avião da TAM, "é necessário que a Anac e a Infraero cuidem de eliminar a presença, no sistema de transporte aéreo brasileiro, de fatores estruturais que geram riscos enormes, inclusive queda de aeronaves". Pelo tom do documento, o acidente em São Paulo não deve ser visto como um fato isolado. Ele estaria relacionado à falta de planejamento para organizar o sistema. "Todo sistema de transporte, para ser digno desse nome, deve ser administrado de modo racional e com planejamento técnico, orientado para a sensível diminuição de fatores de infortúnio." Em termos práticos, o governador e o prefeito afirmam ser necessária a redução imediata do tráfego de Congonhas, além da construção de mais uma pista e um terminal de passageiros no Aeroporto Internacional de Guarulhos para atender à demanda. "É sabido que o Aeroporto de Congonhas é circundado por grandes avenidas - as mais movimentadas de São Paulo - e suas pistas não possuem áreas de escape, o que aumenta muito o risco e a proporção de eventuais acidentes na sua operação. Exatamente por isso, é imprudente sua utilização abusiva, superior à capacidade que apresenta", diz o texto. Antes da divulgação do ofício à Presidência, o governador já tinha elevado o tom de suas críticas durante uma entrevista coletiva. Na ocasião, ele disse que o interesse público, na questão aérea, tem ficado em segundo plano. "No caso de Congonhas, é preciso vencer os interesses puramente comerciais que têm norteado gastos com operação e investimentos nesse e em outros aeroportos." Serra criticou as empresas aéreas. "Não conheço companhia aérea cuja finalidade não seja o lucro. Elas não são companhias filantrópicas. A maximização do lucro leva à hiperconcentração em Congonhas." Para Serra, o governo deveria contrabalançar esses interesses. "Não sou contra o interesse privado, mas o poder público tem de ser contracíclico e não pró-cíclico, e isso não aconteceu nos últimos tempos." Na opinião do governador, os gastos nas obras de Congonhas teriam sido mais bem aplicados se fossem usados na ampliação do Aeroporto de Viracopos, em Campinas. "Ele tem excelentes condições climáticas e de localização", afirmou. O governador enfatizou também na coletiva que os dois principais problemas de Congonhas são falta de área de escape e a operação acima do limite. "A área de escape existente é a de movimentadas avenidas. Um acidente como o da TAM em Guarulhos não teria a mesma proporção, porque a pista de lá tem 4 mil metros e tem área de escape." Ele defendeu o fim dos horários de pico em Congonhas. "Chegamos a ter até 48 pousos e decolagens por hora nos horários de pico. É um índice elevadíssimo." Para o governador, é preciso redistribuir o volume dos vôos ao longo do dia. Serra afirmou que é necessário fazer uma revisão dos critérios de peso das aeronaves. "O presidente da TAM disse que a aeronave está dentro do peso. É preciso revisar o nível de peso a ser admitido em face dos riscos que isso representa num aeroporto urbano." O governador desconsiderou a criação de outro aeroporto em São Paulo. Para ele, a saída será redirecionar os vôos para Cumbica e Viracopos. Segundo Serra, o Estado está disposto a cobrir a demanda de transporte que representaria essas mudanças. "É preferível ceder em aspectos que envolvem conforto ou proximidade do aeroporto dos centros em nome da defesa das vidas, não só dos passageiros, mas também da dos não-passageiros", disse. "No caso de Guarulhos, estamos com o projeto do trem expresso, mas há investimentos federais que são essenciais", referindo-se à construção da terceira pista de Cumbica. |