Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 19, 2006

Míriam Leitão Tempos estranhos

O GLOBO

Tudo é estranho na cena política a doze dias das eleições gerais no Brasil. O PT, financeiramente arruinado há pouco mais de um ano, após aquele período de gestão temerária, agora tem dinheiro para uma campanha farta e até compra de dossiês. O petista preso disse que o dinheiro veio do partido e apontou o dedo para um assessor presidencial. Freud explica. Há alguns meses, o PT não tinha para pagar a fornecedores; hoje, esbanja. Um caso de sucesso empresarial que Lula deveria compartilhar com os empresários. Um surto de jantares com o empresariado assola a agenda do presidente Lula. Ele já fez três nas últimas semanas.

Nos jantares, Lula fala já como reeleito e tenta atrair os empresários com promessas de ser o avesso do que tem sido. Promete reforma tributária e corte de gastos, mesmo após um mandato no qual não fez a reforma, e após um ano em que os riscos fiscais subiram espantosamente. Promete juros baixos, câmbio alto e investimentos em infra-estrutura. São reuniões do tipo: daqui pra frente, tudo vai ser diferente.

O surto de jantares foi iniciado quando, há dois meses, Lula e o ministro Furlan ligaram para empresários dizendo que o governo queria se “aproximar” mais do empresariado. Uma aproximação tardia do ponto de vista do governo que está no fim, mas bem a tempo da campanha eleitoral.

A mais estranha declaração feita pelo presidente Lula ocorreu no terceiro jantar e veio a público graças a Elio Gaspari neste último fim de semana. O Planalto negou em nota que ele tivesse dito que queria fechar o Congresso.

A frase, resgatada por Gaspari, foi dita por Lula numa conversa ouvida por várias pessoas. Alguém comparou o Brasil com o sucesso da China, e Lula não gostou. Disse que comparar com a China era um absurdo e explicou: “A China não tem greve, não tem previdência, não tem Congresso. Aqui também, se fosse assim... Eu adoraria. Seria muito mais fácil.” Foi quando ele completou com a frase em que pedia para não despertar seus demônios e se referiu a fechar o Congresso. Mesmo quem diz que Lula não falou em tom de ameaça autoritária, admite que Lula formulou a frase inadmissível.

Seria melhor se Lula, no jantar da última quinta-feira, tivesse continuado a falar levezas como pescaria ou a discorrer sobre tucunarés para distrair um pouco os convidados. Ou então que explicasse melhor a proposta que acendeu o apetite dos empresários presentes: baixar em 10% os impostos. Lula contou que a Receita Federal é contra. Se era para ameaçar, que ficasse na ameaça que fez lá, de adotar no Brasil prisão para sonegador, como existe em outros países. Essa é uma boa ameaça. Fechar o Congresso “e fazer o que é preciso” acorda demônios que o Brasil não quer ver nunca mais.

Todos esses assuntos estiveram ou nas rodas iniciais, ou no jantar à mesa. Havia várias mesas, em que autoridades se distribuíram junto com os empresários. Foi à mesa que houve a conversa sobre fechamento de Congresso. Ao final do jantar, Lula fez um discurso para todos — como faz sempre nessas ocasiões — dizendo que o Brasil está pronto para dar o salto do desenvolvimento, porque está no “melhor momento da História deste país”. Não disse como, não deu detalhes. Nos discursos que faz, o presidente não diz como superará os obstáculos que pararam seu governo. Promete PPPs a mão-cheia, apesar de não ter feito uma sequer em quatro anos. Nunca fala de reformas e não demonstrou, em nenhum dos três jantares — segundo convivas presentes — noção de que o descontrole fiscal pode provocar inflação. Quando falou de crescimento, sempre alertou que não pode ser com inflação. Isso ele aprendeu. Mas não demonstra ter noção de que, a médio prazo, o aumento de gastos que está decidindo agora pode acabar minando a estabilidade. Quando perguntado sobre isso, defende a idéia de que o corte de impostos fará o país arrecadar mais e que, com mais receita, será possível aumentar investimentos e crescer o que não se cresceu no atual mandato.

Lula se queixa da elite em público, mas não tem razão. Ouviu uma seqüência impressionante de elogios nesses jantares. Desde a frase, dita no primeiro jantar, pelo presidente da Cargill, de que nenhum governo fez tanto pela agricultura; até elogios sobre sua capacidade na liderança do país. Alguns empresários não são nada econômicos nos elogios.

Esta semana começa diante do mais espantoso caso que já surgiu nesta campanha: o de dossiês preparados, supostamente, por pessoas do PT com a ajuda de um assessor presidencial. A seqüência de fatos e declarações dos últimos dias foi impressionante. O presidente Lula disse que “81% das quadrilhas que a Polícia Federal desmontou aconteceram exatamente no governo Fernando Henrique”. Logo depois, saiu a entrevista da revista “IstoÉ”. O ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, disse que Serra estava sendo acusado da mesma coisa que o ex-ministro Humberto Costa, e que teria de provar a inocência. A Polícia Federal prende os suspeitos de compra e venda de dossiê contra Serra. Na mão dos dois compradores, ambos ligados ao PT, o equivalente a R$ 1,7 milhão, em reais e dólares. Um deles diz que parte do dinheiro veio do PT. De novo, dinheiro sem comprovação, em espécie; parte em dólar. De novo, pessoas próximas ao governo. Tudo semelhante ao que o Brasil viu em cenas recentes. Pelo visto, os demônios estão acordados e fazem plantão nesta eleição.

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