Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 19, 2006

MERVAL PEREIRA -Chanchada perigosa

O GLOBO
Já está ficando ridícula esta história de que Lula nunca sabe de nada do que seus principais assessores fazem, se acharmos que se trata apenas de uma mera desculpa para livrá-lo de envolvimentos com os crimes que vêm sendo cometidos nas suas barbas. Ou pode se transformar em uma história trágica, se chegarmos à conclusão de que Lula é incapaz de saber o que acontece à sua volta. A história desse ato falho de um segurança chamado Freud, elevado a assessor especial do gabinete do presidente da República, só não é hilariante porque é o retrato de um submundo que rodeia o Palácio do Planalto, que já gerou uma “organização criminosa”, na definição do procurador-geral da República.

Esse Freud Godoy repete o caso do “anjo negro” Gregório Fortunato, como já avisava Marx: a história só se repete como farsa. Tanto Lula passou a se comparar indevida e oportunisticamente com Getúlio que acabou metido, pelas mãos de seu segurança, na trapalhada da compra de um dossiê fajuto contra os candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra.

Dentre as muitas transmutações sofridas por Lula depois de chegar à Presidência, uma foi a de deixar de ser um líder trabalhista que queria pôr fim à “Era Vargas” para se tornar um fiel seguidor de Vargas.

Quando disse que fez uma transfusão com o sangue do povo, estava parafraseando uma famosa frase de Getúlio: “Hoje vocês estão no poder na minha pessoa, amanhã vocês serão o poder”.

O Lula líder sindical da primeira fase defendia a superação da herança varguista, acusando: a CLT era o “AI-5 dos trabalhadores”, e Vargas era o “pai dos pobres e mãe dos ricos”.

Hoje, sempre que julga conveniente, se compara a Vargas, mas avisou em certa ocasião que não dará um tiro no peito. Coube ao atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo, quando ainda ministro da Coordenação Política, a primazia de fazer tal paralelo oficialmente, afirmando que os tucanos estavam querendo criar no país “um clima pré-54”.

Aldo referia-se à crise política desencadeada pela tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, um dos maiores líderes udenistas que movia campanha incessante contra Vargas, que acabou se suicidando.

O mandante do crime, que acabou matando o major da Aeronáutica Rubens Vaz, foi o chefe da segurança do presidente, Gregório Fortunato.

Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique disse que falta na oposição um político aguerrido como Lacerda, recebendo dos governistas acusações de golpismo. Mesmo sem um Lacerda, Lula tem no tal Freud a chanchada de Gregório. Foi ele, mancomunado com Jorge Lorenzetti, petista de Santa Catarina que é também churrasqueiro oficial da Granja do Torto, quem contratou o advogado Gedimar Pereira Passos para supervisionar a segurança do comitê da campanha de Lula.

Preso na Polícia Federal, Gedimar disse que foi Freud quem o chamou para avaliar se o tal dossiê continha mesmo fatos que comprometessem Serra, e de quebra seriam a pá de cal na campanha de Alckmin, como premonitoriamente escreveu em seu blog o ex-ministro José Dirceu.

Dirceu, sem que Alckmin tivesse sido citado na entrevista de Vedoin à “IstoÉ”, escreveu que as acusações seriam “a pá de cal na campanha do Xuxu”, evidência de que sabia que depois da entrevista apareceriam as fotos e o vídeo para “atestar a veracidade” das acusações.

Como Gedimar e o empresário Valdebran Carlos Padilha, o outro petista preso, tinham em mãos R$ 1,7 milhão, que teria vindo através do tal Freud, a primeira pergunta que se deve fazer é: como um agente de segurança tem acesso a tanto dinheiro? Esse Freud faz parte do núcleo de amigos de Lula desde a época de sindicalista de São Bernardo, é mais ligado nas origens ao hoje presidente do que, por exemplo, Delúbio Soares, que era também da turma sindical, mas veio de Goiás para fazer parte do grupo.

Na Caravana da Cidadania da campanha presidencial de 1994, Freud Godoy era, mais que o chefe da segurança, o coordenador da operação de logística, e mandava mais do que muitos caciques petistas.

Assim como Paulo Okamotto, outro do núcleo sindicalista original, fazia as declarações de renda de Lula e família, e vez por outra dava uma ajudinha para pagar algumas dívidas, Freud era de tanta confiança que estava lotado na Presidência para cuidar da segurança da primeira-dama Marisa Letícia. Agora, sabe-se que cometia outras pequenas irregularidades, como organizar a campanha eleitoral do chefe, mesmo estando lotado no Palácio do Planalto.

A pequena esperteza do presidente, ao se desvincular, logo no primeiro instante, de qualquer ligação com os petistas que compravam o dossiê, de criticar a prática e ao mesmo tempo deixar no ar a possibilidade de serem verdadeiras as acusações contra Serra, fica exposta com o surgimento da acusação a um assessor direto seu, de nome tão específico que dificilmente seria inventado.

Na crise do mensalão, Lula teve que se livrar de toda a cúpula petista e de vários ministros, entre eles seu homem todopoderoso José Dirceu, e hoje diz que não sabe por que ele foi cassado. Pois foi cassado por ter sido identificado, por seus pares e pelo procuradorgeral, como o chefe da tal “organização criminosa” que estava montada no Planalto.

Hoje, ele tem que se livrar de um segurança e de um churrasqueiro para tentar se desvencilhar de mais um crime político. Tanto na cúpula petista como no baixo clero do partido, crimes são tramados e praticados, inclusive por petistas de sua cota pessoal, sem que Lula saiba. Deve ser o presidente mais traído do mundo.

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