Panorama Econômico |
O Globo |
1/9/2006 |
A democracia tem rituais e o bom governante os segue. Um presidente, quando se submete a novo escrutínio popular, enfrenta cobranças, explica opções, ilumina pontos obscuros de seu governo. Uma das formas é através de entrevistas à imprensa. Durante o governo, um presidente democrático concede entrevistas. Essa é uma forma de prestar contas aos cidadãos. O presidente Lula só fala quando lhe interessa. O presidente Lula termina seu primeiro mandato sendo o presidente que menos falou com a imprensa, que tentou expulsar um jornalista estrangeiro e imaginou que pudesse controlar a imprensa através de conselhos e agências. O não comparecimento a entrevistas e sabatinas propostas pelos principais jornais impressos do país está apenas consolidando um comportamento antidemocrático. Durante as suas muitas campanhas presidenciais, Lula desenvolveu uma extraordinária habilidade para responder a perguntas. É bem verdade que eram respostas superficiais, jogos de palavras, saídas espertas, mais do que a explicação de conteúdo sobre o que pretendia. Era capaz de falar que o Brasil precisava de uma reforma tributária e que não fora feita por falta de vontade política do então presidente, mas se enrolou quando o candidato Garotinho perguntou pela Cide. Ao revelar que não sabia o que era a Cide, Lula mostrou que nunca havia se debruçado sobre os impostos brasileiros para ter ele mesmo uma visão própria do tema. Mesmo sabendo das coisas apenas por ouvir dizer - em vez de saber por ler e estudar -, Lula estava sempre disposto a dar entrevistas antes de ser eleito. Sua recusa a dar entrevistas durante seu período de governo é, portanto, a explicitação de que ele, no fundo, achava que a imprensa era apenas o canal para ser usado em sua propaganda de candidato; nunca o canal de prestação de contas à sociedade. A única coletiva que concedeu foi limitada e controlada como se fosse a de um ditador. Os jornalistas não poderiam replicar. Ele não foi confrontado com as contradições e omissões das respostas. A rotina das entrevistas coletivas, que foi seguida por todos os governantes democratas e até por alguns dos presidentes militares, foi abandonada por Lula. Assim, acumularam-se as dúvidas sobre os vários pontos obscuros de seu governo. Ele fez uma política econômica que não era a que tinha defendido, mas foi bem-sucedido em manter a inflação sob controle e salvar a estabilização, que seu antigo discurso havia ameaçado. Cumpriu todas as metas fiscais, mas, ao mesmo tempo, ampliou muito as despesas e contratou aumento de gastos que continuarão arruinando as contas públicas nos próximos anos. Manteve e ampliou o bom Bolsa Escola, renomeado de Bolsa Família, mas tirou dele a alma. O programa nasceu do esforço coletivo de técnicos e administradores públicos. Era para ser uma transferência de renda com critério, porta de saída e condicionalidade. Era para ser visto e apresentado como direito do cidadão, e não ser uma dádiva do governante. Era para ser moderno, e não mais um assistencialismo messiânico da era dos coronéis. Lula desvirtuou uma boa política. Seu programa divulgado esta semana mente quando fala bem do governo, mas isso é previsível; todos o fazem. Não é verdade que houve uma mudança de modelo econômico, não houve sequer mudança de política econômica; não é verdade, infelizmente, que o país tenha ingressado em uma etapa de crescimento sustentado; não é verdade que estas eleições estejam marcadas pelo enfrentamento político-ideológico. O tema inescapável destas eleições não é conflito ideológico e, sim, a moralidade, o impressionante avanço da corrupção sobre a máquina pública nos últimos anos. O programa é um amontoado de promessas que tem um subtexto: não só não haverá o necessário ajuste fiscal, como o governo ameaça aumentar os gastos. Certas propostas são, na verdade, expressão de desejo sem nenhuma viabilidade: se não houver corte de gastos, não pode haver o aumento que promete da taxa de investimentos. Outras idéias são simplificações grosseiras, como o item "simplificar a legislação de abertura de empresas e legislação sanitária e ambiental". A legislação de abertura de empresas é entrave burocrático, a legislação ambiental é proteção à sociedade e ao meio ambiente do país. Um é estorvo; o outro é avanço. O que o governo pode fazer na área ambiental é ter mais clareza e objetividade nos processos de decisão. Hoje o governo joga sobre o meio ambiente a culpa das suas ineficiências. Na área hidrelétrica, por exemplo, há, pelo menos, dez usinas com licença de instalação concedida esperando que outros nós regulatórios sejam decididos. Misturar meio ambiente com burocracia que impede a criação de empresa é revelador. E assustador. Aqui neste espaço, nos últimos três dias, comentei as respostas dadas às perguntas dos colunistas do GLOBO pelos candidatos Cristovam Buarque, Heloísa Helena e Geraldo Alckmin. Esta coluna aqui estava reservada para comentar as explicações e respostas do presidente Lula. Como ele não veio, escrevi sobre algumas das muitas dúvidas que seu governo encerra; um governo do monólogo sem contraditório. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, setembro 01, 2006
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