artigo - Ilan Goldfajn |
O Estado de S. Paulo |
5/9/2006 |
"Por que o Brasil não cresce?", pergunta-se incessantemente desde a divulgação do PIB do segundo trimestre, na quinta-feira passada. É sinal de decepção. Há ainda vários meses pela frente, mas, pelo andar da carruagem, o crescimento do ano ficará em torno de 3,5% (há projeções mais otimistas, mas também mais pessimistas). Olhando para a frente, por cima dessas flutuações anuais, a economia brasileira pode estar entrando numa nova fase, em que a estabilidade e o baixo risco evitariam as crises recorrentes do passado, mas a ausência de consenso político e de reformas restringiria o crescimento a taxas baixas. Guardadas as devidas diferenças, seria o que denominarei de "mexicanização" da economia brasileira. Em 6 de fevereiro de 2004, o senador Jefferson Peres publicou artigo denunciando a "mexicanização" da política brasileira, entendida como um projeto do partido no poder (PT) de se transformar em hegemônico, à semelhança do Partido Revolucionário Institucional (PRI) do México, dominando o Estado e a sociedade. Após o ocorrido com o PT nos últimos dois anos, talvez o temor político hoje tenha amainado. Já o temor da "mexicanização" da economia parece estar aumentando. O que é "mexicanização" da economia? Nos últimos anos a economia mexicana avançou significativamente em alguns aspectos, mas não conseguiu reformar os seus alicerces. O México diminuiu significativamente sua dívida externa, melhorou o risco país (em 100 pontos, medido pelo índice Embi, comparado com 200 do Brasil), atingiu o grau de investimento pelas agências de classificação de risco e reduziu a inflação para uma taxa em torno de 3% ao ano. Como conseqüência, a taxa de juros real de curto prazo se encontra em torno de 4% ao ano. Mas, dadas a falta de consenso sobre prioridades e a divisão do Congresso, o México foi incapaz de reformar a economia de forma a melhorar a produtividade dela e enfrentar a competição da China. A reforma tributária e a previdenciária não avançaram, assim como a mudança no regime fiscal da Pemex (a Petrobrás do México), essencial para destravar investimentos petrolíferos. O resultado é um crescimento "así nomás": 0,8% em 2002, 1,4% em 2003, 4,2% em 2004 e 3% no ano passado. Para a frente não há sinais de mudança, permanece a divisão política (e da sociedade), a exemplo da demora recente para simplesmente homologar o resultado da votação presidencial, que deu uma vitória extremamente apertada a Felipe Calderón, o candidato do partido do governo, o PAN. Assim como o México, o Brasil tem tido avanços significativos e dificuldades nas reformas. O risco caiu significativamente, assim como a dívida externa líquida do País (para 9% do PIB). O governo eliminou a dívida dolarizada e a inflação está abaixo da meta. O Brasil ainda não obteve o grau de investimento e os juros de curto prazo ainda estão acima de 9%, mas, na ausência de grandes solavancos mundiais e com um mínimo de responsabilidade com os gastos públicos, estaremos trilhando esse caminho. O problema é que, na ausência de reformas, o Brasil tampouco conseguirá elevar o crescimento. Por trás dessa visão há o diagnóstico de que os entraves ao crescimento no Brasil hoje são: A falta de consenso sobre as prioridades dos gastos públicos no País, onde se gasta em tudo, nada é racionado, e cabe aos juros, ao câmbio e à carga tributária ajustar o desequilíbrio (à semelhança da inflação no passado); a existência de limitações diversas de ordem burocrática, jurídica e de infra-estrutura ao aumento da produção, da poupança e do investimento; e, no longo prazo, a falta de investimento em educação. Nessa visão, os juros e o câmbio são o sintoma do problema, e não a sua causa. Servem como mecanismo pelo qual a economia encontra espaço para deslocar o setor privado e abrir espaço para o crescimento incessante dos gastos públicos (crowding-out, em economês). Isto não significa que o debate sobre o impacto da política monetária sobre o crescimento deva ser interditado. Afinal, existem diferenças de opinião sobre a calibragem dos juros necessários no controle da inflação e, eventualmente, o crescimento de um ou outro ano pode ser afetado. Mas o exagero de um ano é a bonança do seguinte: a inflação fica abaixo da meta e há mais espaço para cortar os juros. No longo prazo, o crescimento depende de fatores de oferta, ou seja, das facilidades que empresas e indivíduos têm para investir e produzir. E, nesse aspecto, a economia brasileira deixa a desejar. Há também outros cenários mais ou menos benignos. Por um lado, não devemos ignorar que este será o terceiro ano consecutivo em que o crescimento deve superar a média dos últimos 25 anos. Mas esse fato revela mais sobre as fraquezas da economia brasileira nas últimas décadas, e o estado da economia mundial, do que o seu vigor atual. Por outro lado, resta avaliar as conseqüências para a economia brasileira de uma desaceleração da economia mundial que já se vislumbra no horizonte. Em suma, não pretendia aqui minimizar as evidentes diferenças entre a economia mexicana e a brasileira (exemplo: a economia brasileira é mais diversificada que a do México, que exporta 80% para os EUA). Mas o caso do México ilustra de forma clara que, mesmo após obter o grau de investimento e conseguir reduzir substancialmente os juros reais (no bojo de uma inflação sob controle), a economia brasileira pode continuar crescendo pouco. Para evitar esse cenário não podemos minimizar a necessidade do ajuste nas contas públicas e das reformas, como a da Previdência e a tributária. Na ausência delas, a "mexicanização" da economia é o melhor cenário. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, setembro 05, 2006
A 'mexicanização' da economia brasileira
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