O Estado de S. Paulo |
20/9/2006 |
A ausência de limites, a transgressão de regras, a indiferença a todas as liturgias - inclusive à do cargo de presidente da República, que recebe ao telefone, do acusado, orientações sobre a reação às acusações - e o acirramento dos ânimos políticos ao ponto da guerra declarada instalam no Brasil uma atmosfera de preocupação e incerteza quanto ao futuro próximo. A questão inquietante já não é mais o resultado da eleição em 1º de outubro, mas o que será do País depois disso, a partir de 2007. O cenário do ano que vem já faz parte das aflições de gente responsável que, mesmo sendo de oposição, vê risco de conturbação institucional ainda que, por hipótese hoje remota, o resultado final venha a ser diferente do esperado. Nessa circunstância, o PT se encarregaria de conflagrar o ambiente, a começar pela contestação do resultado eleitoral, alegando fraude. Se o presidente Luiz Inácio da Silva for reeleito, em tese ficam corroborados todos os métodos utilizados para a preservação do poder. A série reúne de cooptação financeira de parlamentares em troca de apoio político até a montagem de armadilhas contra adversários eleitorais, passando pelo uso do Estado para desmoralizar testemunhas. Isso para falar apenas nos ilegais. Entre os instrumentos de uso legal reinam os truques para levar na conversa o eleitorado, todos muito bem engendrados: seja a transformação falaciosa de um programa de assistência em projeto de inclusão social, seja a desmoralização da moral coletiva em prol da salvação do projeto político de um partido em particular. Com a vitória de Lula, a miríade de impropriedades recebe um aval, mas de validade temporária e restrita àquela parcela do eleitorado que, embora majoritária, faz o resultado de uma eleição, mas não conduz o País no restante do tempo. Reeleito, Lula tomará posse em situação de desgaste e dura contestação política e social, principalmente depois da demonstração de que o PT nunca esteve interessado em pacto com a oposição; só queria mesmo assegurar um período de trégua de submissão à supremacia eleitoral. O governo conta fazer isso com a colaboração integral do PMDB e a boa vontade conveniente de setores do PFL e do PSDB, principalmente governadores interessados em manter desobstruídos os canais administrativos com Brasília. O empecilho seria José Serra. A despeito de suas ótimas relações com parte considerável do PT, se eleito governador de São Paulo teria de jogar de acordo com o seu interesse de se eleger presidente em 2010 e se firmar como o contraponto a Lula. Por isso já se escalara publicamente como o principal opositor do governo federal em caso de reeleição do PT. Esta constatação pautou o ataque desferido contra a candidatura do tucano, cada vez mais claramente uma obra do partido. Obra esta exposta na nota da revista Época, relatando a oferta que lhe havia sido feita dias atrás, por intermédio de um integrante da campanha presidencial, com o conhecimento, confesso, do presidente do PT, Ricardo Berzoini. E por que a revista divulgou a história? Com toda certeza por conta do escaldo sofrido quando se deixou usar pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para tentar desmoralizar a palavra de Francenildo Costa. E por que não o fez há duas semanas, quando recebeu a proposta? Talvez porque não tenha se dado conta das dimensões da conversa e das implicações nela contidas. Por causa da degeneração de conduta e parcerias, o governo Lula vem perdendo apoio até em áreas que nutriram por ele mais que apreço: alimentavam interesse político, comercial e financeiro em sua reeleição. Como a renovação do mandato de Lula ainda é o resultado mais provável, teremos uma inusitada situação em que o governo recomeça já em clima de fim de festa e franca amargura. Confissão A justificativa do ministro Márcio Thomaz Bastos para a não exibição do dinheiro apreendido com os petistas Gedimar e Valdebran - evitar o uso eleitoral da imagem - só teria o sentido de isenção se o governo não fosse parte na disputa eleitoral. Sendo, equivale a uma confissão de favorecimento. Contraditório O controlador-geral da União, Jorge Hage, contesta afirmação feita aqui, segundo a qual deu "crédito" ao dossiê do PT quando comparou, na semana passada, as situações dos ex-ministros da Saúde Humberto Costa e Serra e falou na existência de documentos comprometedores contra o tucano. "O que afirmei é que essas imputações devem ser tratadas como indícios que merecem a devida apuração, com as cautelas próprias com que devem ser recebidas declarações de réus sob delação premiada. "Esclareço que os documentos mencionados são documentos oficiais recolhidos pela nossa auditoria nos processos de liberação de emendas, pelo Ministério da Saúde, e respectivas prestações de contas, nada tendo a ver com qualquer espécie de dossiê, fato posterior às minhas declarações." |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, setembro 20, 2006
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