artigo - José Nêumanne |
O Estado de S. Paulo |
19/4/2006 |
Duas notícias da semana passada chamaram a atenção pelo contraste. Num libelo acusatório claro, conciso e lavrado em vernáculo inteligível, plano e correto, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, acusou o PT, partido do qual é fundador o presidente da República que o nomeou, Luiz Inácio Lula da Silva, de haver cometido crimes para se manter no poder. Um dos 40 acusados no documento, o ex-deputado e ex-chefe da Casa Civil na gestão petista José Dirceu viajou em jatinho particular para Juiz de Fora (MG), onde esteve com o ex-presidente Itamar Franco, que lançou sua candidatura à Presidência da República pelo PMDB, que acaba de indicar em prévias outro nome para o posto, o do ex-governador fluminense Anthony Garotinho. Este e a ala oposicionista do partido desconfiam que, de fato, o lançamento, previamente anunciado pelo ex-governador paulista Orestes Quércia, é um golpe da ala governista para evitar o surgimento de um postulante próprio do partido e assim este se possa engajar na campanha pela reeleição de Lula. Para o objetivo deste artigo pouco importa esclarecer se isso é verdadeiro ou não, pois aqui mais interessa o fato de o interlocutor de Itamar ter respondido com jactância à dúvida, natural, sobre a viagem feita num avião particular, visto que não faltam escalas normais de linhas aéreas comerciais fazendo o trajeto São Paulo-Juiz de Fora. Sua ex-Excelência argumentou, com petulância, que este assunto é particular e que não deve satisfações a ninguém. Como não se conhece causa importante que tenha advogado, na profissão que diz exercer, pela qual tenha sido remunerado com quantia suficiente para lhe propiciar tal luxo, é o caso de questionar a origem dos recursos que o pagaram. E, se foi de graça, pior ainda: o que teria feito para justificar esse favor? Em contraste com o desembaraço (que só cresce à medida que os índices de favoritismo de seu candidato à reeleição se mantêm no topo das pesquisas) do comissário circulante, parâmetro óbvio da impunidade reinante, o documento que o incrimina, embora não seja sentença passada em juízo, mas mera peça acusatória, é um indício animador de que ainda há instituições que resistem à caradura ampla, geral e irrestrita. E brasileiros decentes capazes de fazer desafinar o coro dos acomodados (e desafiar o príncipe regente), como o é esse procurador. Não é decisivo (nem sequer suficiente) para enfrentar o crime que campeia, deslavado, corrompendo e abastardando os três Poderes republicanos. Pois ninguém cumpre pena nem sequer foi condenado no caso. Mas pelo menos uma instituição que resista ao cinismo generalizado já mostra existir alternativa à desesperança. O procurador-geral vem se juntar aos 180 milhões de brasileiros que comem o pão amargo que o diabo amassou, mas não cedem à tentação de servir ao crime organizado, neste país que ainda não é dos bandidos, embora fique, se não sob o domínio deles, no mínimo, seu refém. E a alguns cidadãos decentes que pertencem à elite dirigente, mas não vivem a dizer amém por interesse ou covardia. Uma gente teimosa como Roseana Garcia, a viúva de Antônio Costa Santos, que renega, com coragem e riscos da própria vida e da filha adolescente, a aceitação passiva de que seu marido, que era então prefeito de Campinas e combatia a especulação imobiliária e o controle do tráfico de drogas sobre terrenos próximos ao Aeroporto de Viracopos, tenha sido morto por acaso na véspera do dia em que o terror fez ruir as torres gêmeas em Nova York. Sem outras armas que não a própria convicção e a lógica plana, ela continua enfrentando o diagnóstico comodista e insatisfatório da polícia do governo estadual e a indiferença do federal. Na verdade, a insensibilidade ao sofrimento e aos perigos enfrentados por parentes de gestores públicos assassinados não é apenas do governo federal, mas de grande parte da sociedade. É incomum encontrar quem se comova com a situação do médico João Francisco Daniel, irmão mais velho de Celso Daniel, assassinado quando coordenava o programa da campanha do candidato petista Lula, em 18 de janeiro de 2002. Forçado a fechar a clínica de oftalmologia que teve por 30 anos e a viver escondido com medo dos figurões que suspeita terem mandado matar seu irmão, esse brasileiro não se conforma com a versão oficial (mais uma vez, da polícia estadual, sob gestão do partido que faz oposição federal, e do outro, que controla a União), mantendo acesa a chama da dignidade e da verdade. A exemplo de seu irmão mais novo, Bruno, obrigado a levar a mulher, Marilena, e os três filhos para o exterior para evitar seu eventual extermínio. Os verdadeiros heróis brasileiros são estes, e não o astronauta Marcos Pontes, transportado ao espaço sideral para flutuar à toa. Herói é o motorista Francisco das Chagas Costa, que testemunhou ter visto o então todo-poderoso czar da economia na mansão suspeita dita República de Ribeirão Preto. E também o é o caseiro Francenildo Santos Costa, que, embora esteja sendo processado por lavagem de dinheiro e tenha tido sua vida devassada pelos esbirros da Polícia e da Receita Federais, nunca deixou de cumprir seu dever de cidadão de contar o que viu. Para manter a esperança da Nação estes heróis são obrigados a conviver com o próprio medo. É o caso da senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), que anunciou em público ter alertado os filhos para o risco de se tornar uma vítima nada eventual da violência banal de nossas ruas. Eles sabem que, protegidos pela impunidade e pela cumplicidade de amigões poderosos, seus inimigos, ameaçados por sua integridade moral, conspiram contra sua integridade física. Seu exemplo de decência demonstra que, apesar da desfaçatez e da insensibilidade dominantes, nem tudo está perdido.
|
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quarta-feira, abril 19, 2006
Nem tudo está perdido
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
abril
(579)
- Vem aí mais imposto ou menos investimento Maílson ...
- Voto nulo, voto branco, reeleição e políticos hone...
- AUGUSTO NUNES SETE DIAS 30 DE ABRIL JB
- CLÓVIS ROSSI Cadê os empregos?
- ELIANE CANTANHÊDE "Igual a mim"
- JANIO DE FREITAS Nos aposentos do príncipe
- LUÍS NASSIF Adolf Berle Jr. e a diplomacia do dólar
- A invasão dos bárbaros RUBENS RICUPERO
- FERREIRA GULLAR O feitiço do Bruxo
- Portas abertas aos ‘companheiros’ no governo
- Culturobrás DANIELPIZA
- Petróleo - a história roubada
- O trabalho na China CELSO MING
- FH coordenará idéias de Alckmin DORA KRAMER
- A esquerda no poder Ives Gandra da Silva Martins
- O avanço do retrocesso Gaudêncio Torquato
- Temos um modelo CRISTOVAM BUARQUE
- Miriam Leitão Sem cerimônia
- Vamos colaborar JOÃO UBALDO RIBEIRO
- Merval Pereira O moralismo de Baudrillard
- Em breve, toda a turma reunida novamente
- The Crony Fairy By Paul Krugman
- Merval Pereira As doenças de Baudrillard
- Miriam Leitão Maioria mexicana
- Zuenir Ventura E se tudo for verdade?
- CLÓVIS ROSSI O difícil e o impossível
- FERNANDO RODRIGUES O valor da transparência
- Novos conflitos DENIS LERRER ROSENFIELD
- Copa da Educação GESNER OLIVEIRA
- Melhor adiar a reforma
- Epitáfio para um partido
- Celso Ming - O bolo e suas fatias
- Ao lado do ‘companheiro Dirceu’, Lula avisa: ‘Não ...
- Lula elege Casas Bahia como modelo de desenvolvime...
- DORA KRAMER Camisa de força
- Lucia Hippolito na CBN:Na mão do PMDB
- As práticas mais que condenáveis de Garotinho
- José Mentor se enrola em mais uma acusação
- Xerox é a solução para o caso dos quarenta
- Os problemas da campanha de Alckmin
- Chernobyl Vinte anos depois do desastre
- Criminalidade explode no governo Chávez
- Os países que buscam trabalhadores estrangeiros
- A disparada dos gastos oficiais
- Bolsa Família O que é o programa assistencial de Lula
- VEJA Entrevista: Renato Mezan
- MILLÔR
- Lya Luft Quebrar o silêncio
- André Petry No reino da bandalha
- Roberto Pompeu de Toledo Os brasileiros – uma nova...
- Diogo Mainardi Pedi o impeachment de Lula
- O epílogo da crise Ricardo Noblat
- clipping 28 de abril
- Dora Kramer - Desfaçatez como nunca se fez
- Impostura Demétrio Magnoli
- Presidente da OAB constrange Lula no STF
- Guilherme Fiuza Petrobras, a mentira
- Herança premiada
- Clóvis Rossi - O Brasil cabe na sua dívida?
- Eliane Cantanhede - O troco
- Jânio de Freitas - A seleção
- Merval Pereira - Política e religião
- Sinal de alerta nas contas
- O passado que reaparece
- Não são desnutridas
- Lula, seu galinheiro e o milharal
- Lesa-pátria
- Fugindo à razão
- A diplomacia do fracasso
- A deterioração das contas públicas
- Alberto Tamer - Petróleo não derruba economia
- Dora Kramer - O rato que ruge
- Luís Nassif - O desafio do gasoduto
- Míriam Leitão - Tá na cara
- Lucia Hippolito na CBN:Um estranho no ninho
- Neopeleguismo
- OAB reafirma: decisão sobre impechment sai em maio
- Casa da mãe Joana
- Fingindo-se de cego
- e assim é nossa politica.....
- Acalmar pelo terror?
- OPORTUNIDADE FISCAL
- MÉRITO EM XEQUE
- Crime sindical
- América do Sul desafia o Brasil::
- Acalmar pelo terror?
- A verdade da fome
- A OAB e o impeachment
- A crise é institucional
- A ameaça boliviana
- 'Drive-thru' do tráfico
- Clóvis Rossi - O silêncio e as cores do mundo
- Celso Ming - Evo ataca, Lula se omite
- Dora Kramer - À espera de um milagre
- Élio Gaspari - FFHH e Lula melhoraram o Brasil
- Fernando Rodrigues - A utilidade do vice
- Luís Nassif - O SUS e o elogio fatal
- Merval Pereira - As dores do parto
- Míriam Leitão - Erro estratégico
- Lucia Hippolito na CBN:Lerdeza e esperteza
-
▼
abril
(579)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA