Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 19, 2006

Em busca de novos Carajás




editorial
O Estado de S. Paulo
19/4/2006

Que foi uma festa, foi. A formidável mobilização do MST em nove Estados brasileiros, no aniversário de 10 anos do "Massacre de Carajás" - nesta segunda-feira -, teve muito menos de homenagem aos 19 mortos e dezenas de feridos do mais violento conflito ocorrido no meio rural em tempos contemporâneos do que de "comemoração" revolucionária, como se se tratasse de uma gloriosa "tomada da Bastilha" cabocla. Sim, houve missa na curva do "S" da Rodovia PA-150 - onde ocorrera a tragédia em 1996 - mas no geral o que prevaleceu foi a assustadora demonstração de força e organização de uma entidade sem existência legal, que entre muitas proezas realiza esta: quanto mais desrespeita a lei, a propriedade, os direitos humanos - como o de ir-e-vir e o de trabalhar no campo promissor do agronegócio -, mais é respeitada, acatada e até bajulada por autoridades públicas.

Entre outras operações, em "comemoração" à data, os militantes do MST invadiram 10 fazendas na região do Pontal do Paranapanema, bloquearam 5 rodovias no Rio Grande do Sul, ocuparam 2 fazendas na região norte de Minas Gerais, marcharam até a sede do governo do Pará e bloquearam novamente, para manifestações, a mesma curva do "S" da Rodovia PA-150, acamparam em frente à sede do Incra, em Maceió, para reunir 4 mil pessoas para uma caminhada e saquearam caminhões de comida em São Lourenço da Mata, em Pernambuco, levando 6 toneladas de macarrão e biscoito - depois de terem bloqueado 7 trechos de rodovias na região. Para o líder do MST na região, Jaime Amorim, o saque "foi uma recuperação de alimentação, um ato normal dos trabalhadores que estão passando fome". Será que os integrantes de uma entidade com tamanho poder de organização logística, transporte e mobilização nacional, com vasto material de propaganda e sem demonstrar qualquer traço de subnutrição estão passando fome?

Disse o ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), representante oficial do Palácio do Planalto na efeméride emessetista: "O MST é mal compreendido. É um movimento que tem compromisso com as leis e com as regras da democracia. Ele evita o que ocorre, por exemplo, em outros países, como uma guerra civil." Não é, realmente, incrível? Quer dizer então que o MST, com sua longa história de esbulhos, saques, depredações, matança de animais, imposição de cárcere privado a trabalhadores, destruição de equipamentos agrícolas, vandalismos praticados em sedes de fazendas, roubo e depredação de cabines de pedágio e tantas outras violações estabelecidas claramente como crimes na legislação penal, o que revela é compromisso com as leis e as regras da Democracia?

Mais inacreditável ainda é o fato de o ministro dos Direitos Humanos acreditar que o MST é uma espécie de válvula de escape revolucionária. Ele parece dizer, ministrando sábio consolo: antes o MST do que as Farc! Por sua vez, outro representante do governo - o polivalente, pouco resolvente mas sempre confiante ministro Tarso Genro, curinga ministerial ora exercendo a difusa função das "relações institucionais" - também sai em plena defesa do caráter de "movimento social" que tem o MST, sem se dar conta de que, dentro das atribuições de sua pasta ministerial, o melhor que teria a fazer seria tentar "institucionalizar" - ou seja, colocar dentro da lei e da ordem - um "movimento" que faz questão de ter vida clandestina.

Mas essa perspectiva de "institucionalização", que deveria ser como partido político - visto que há muito tempo o MST não tem mais nada que ver com reforma agrária ou questões fundiárias -, não interessa nem um pouco à cúpula emessetista, pois entidades legalizadas podem sofrer controle e auditoria em suas contas, submetendo-se, enfim, às leis vigentes. Certamente a maior carência que sofrem os líderes do MST - a começar pelo mais ostensivo, João Pedro Stédile - é a baixa produção de vítimas fatais, pois são estas que provocam as maiores repercussões midiáticas e políticas, internas e internacionais. Enfim, do que Stédile e seus companheiros sentem mais falta - e já passaram dez anos - é de novos Carajás.

 
 

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