O ESTADO DE S PAULO
Ligando o nome à pessoa
A oposição deve ter ficado um tanto sem graça diante da firmeza, objetividade, consistência e poder de convencimento da denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra os 40 envolvidos no chamado escândalo do mensalão.
Daí, para reagir politicamente à altura do peso da peça produzida pelo Ministério Público, retomou o tema impeachment do presidente Luiz Inácio da Silva.
Por enquanto, a proposta não passa disso: de uma maneira de subir ao patamar de gravidade conferida ao assunto pelo procurador e tentar, finalmente, ver se consegue fazer o eleitor ligar o nome à pessoa, ou seja, a figura do presidente da República ao esquema de corrupção montado - conforme conclusão do MP - pelo partido de Lula para sustentar o governo presidido por Lula.
Objetivamente, a proposta hoje não tem chance de prosperar. E não só pela alegada ausência de apoio popular. O fato de as pessoas não irem às ruas para exigir a responsabilização constitucional do presidente não quer dizer necessariamente que, diante de um processo bem fundamentado, não viessem a fazê-lo.
Mas os adversários de Lula - pelo menos os residentes nas estruturas partidárias - não parecem dispostos a comprar essa briga, pôr as faces a bater e tirar a dúvida.
Temem o risco efeito contrário - a população achar por bem defender o presidente -, o inverso daquele obtido por Fernando Collor quando pediu apoio verde-amarelo às ruas e viu que a sociedade estava era de luto por sua presença na chefia da Nação.
No momento, o impeachment fica restrito ao terreno da ameaça também porque não há tempo hábil para os partidos cuidarem do assunto em plena campanha eleitoral. O Congresso está vazio, desarticulado, os partidos só fazem conversas sobre alianças, em junho haverá as convenções para escolhas de candidatos, em julho tem a Copa do Mundo e, em agosto, a eleição está na TV com o horário gratuito.
Não há político que consiga desviar as forças mobilizadas para o momento eleitoral a fim de cuidar do impedimento de um presidente, em tese, com apenas mais seis meses de mandato.
A coisa poderá, entretanto, mudar de figura em caso de reeleição. Segundo o artigo 7º da Lei 1.079 de 1950, é crime de responsabilidade do presidente da República "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".
Comprovadas as acusações remetidas ao STF pelo Ministério Público, ou mesmo com base no resultado das investigações parlamentares de inquérito - dos Correios e dos Bingos -, os partidos dificilmente deixarão transcorrer muito tempo do início de um possível segundo mandato de Lula para repor - e aí sob nova ótica e força - na agenda o tema do impeachment presidencial.
Voto consciente
Um grupo de parlamentares especialmente preocupados com a desmoralização do Poder Legislativo e o desencanto do eleitorado inicia, logo após a Páscoa, duas campanhas - uma destinada ao público interno e outra ao externo.
Já na próxima semana vão tentar formalizar a constituição da Frente pelo Voto Aberto no Parlamento, para defender a aprovação de emenda constitucional extinguindo o voto secreto no Congresso, certos de que, com o voto aberto, absolvições corporativas em processos de cassações, como as ocorridas recentemente, ficam mais difíceis. Segundo o deputado Chico Alencar, a emenda já conta com o apoio de 180 parlamentares.
Ao mesmo tempo, há a idéia de levar o tema à discussão pública em atos populares de defesa do "voto consciente". Ou seja, contra o voto nulo nas eleições. O primeiro desses atos será no feriado de 21 de abril.
Um dia antes, os deputados que deixaram o Conselho de Ética em protesto contra o fato de o plenário ter ignorado os pareceres pedindo cassações, vão entregar esses relatórios ao procurador-geral da República para que sirvam de subsídios às novas investigações do Ministério Público sobre o esquema já denunciado ao Supremo Tribunal Federal.
Causa própria
O presidente Lula condena as investidas do PT sobre familiares - a mulher e o filho - do pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, na guerra de denúncias entre governo e oposição. No lugar de magnanimidade, o presidente deixa transparecer a intenção de advogar em causa própria a fim de que os adversários deixem também os seus fora de cena.
O pressuposto de que parentes têm salvo-conduto contra denúncias só pelo fato de serem parentes senta praça na ante-sala da impunidade. Faz parte daquela mentalidade - muito bem aceita no País - de que agentes públicos não devem satisfações a respeito de suas condutas pessoais, suas famílias são sagradas e, em se tratando de prevaricação, há territórios imunes ao julgamento externo.
Entrevista:O Estado inteligente
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