O ESTADO DE S PAULO
A imprensa não deu importância à iniciativa tomada quarta-feira pelo ministro da Coordenação Política, Tarso Genro, de procurar as lideranças da oposição para novo entendimento "de alto nível".
Não dá mais para afirmar que as elites e a oposição estão conspirando para desmoralizar o governo Lula. Todas as grandes denúncias de corrupção ou de quebra ilegal de sigilo partiram das bases de governo ou de gente ligada a ele: Roberto Jefferson, Duda Mendonça, Rogério Buratti.
A oposição nada teve a ver com a descoberta de dólares em cueca nem com as revelações do caseiro Francenildo. O relatório da CPI dos Correios, que serviu de base para que o procurador-geral da União, nomeado pelo presidente Lula, acusasse o PT de formação de quadrilha, foi presidido por um petista, o deputado Delcídio Amaral. E foi o próprio presidente Lula quem afirmou que foi traído pelos seus companheiros e quem exigiu do PT um pedido de desculpas à nação.
O governo já não consegue aprovar nada no Congresso. O novo salário mínimo foi baixado por medida provisória. Ontem, o governo federal baixou outra medida provisória para liberar R$ 24 bilhões para a cobertura de despesas públicas, supostamente porque não consegue passar o Orçamento da União.
Se as coisas já estão assim no primeiro mandato, quando o governo ainda detém razoável maioria parlamentar, imagine-se o que acontecerá se o presidente Lula for reconduzido a um segundo mandato, sob o domínio de um mapa político em que o PT terá perdido entre 40% e 50% de suas cadeiras, como calculam os especialistas.
É o que o ministro Tarso Genro parece temer: "Se não houver um mínimo de racionalidade, o vencedor desta eleição não governa", disse ele ao jornal O Globo. Por isso, quando o ministro de Estado da Coordenação Política procura a oposição para a costura de um novo entendimento, esso fato precisaria ser visto com outros olhos, mesmo que seu eventual resultado não seja lá essas coisas.
Há pouco mais de duas semanas, logo depois da demissão do ministro Antonio Palocci e antes de ser conduzido ao ministério, Tarso Genro assinou Nota rápida sobre a conjuntura política, em que denunciou a oposição pela "tentativa de eliminação política da esquerda com credenciais democráticas para governar". Falou de uma "santa aliança que se articula em toda a grande mídia" e que "a síntese do governo FHC foi: juros altos, inflação alta, políticas sociais ínfimas, privatizações selvagens, compra de votos para reeleição, servilismo na política externa, afundamento da universidade pública, quadruplicação da dívida, estafa cambial".
Enfim, era um Tarso Genro que não queria diálogo; queria briga. Por isso, concitou a direção do PT a "comandar a resistência e a contra-ofensiva para reeleger Lula presidente".
O momento econômico é promissor. A inflação resvala para abaixo da meta de 4,5%; os juros estão em queda; o emprego está crescendo; o prêmio de risco oscila à altura dos 230 pontos; a dívida pública segue controlada; a balança comercial tende a repetir neste ano o superávit comercial de US$ 45 bilhões obtido em 2005; o consumo cresce a 6% ao ano; e a produção deve avançar entre 4% e 5%.
No entanto, a questão da governabilidade é o principal fator que pode pôr tudo a perder, mesmo antes da posse do novo governo. Só um novo entendimento parece capaz de costurar as bases para a aprovação de duras reformas que terão de ser feitas em 2007 na Previdência, no sistema tributário, nas leis trabalhistas e no Judiciário.
O diálogo proposto por Tarso Genro pode não acontecer e, se acontecer, pode não levar a nada. Talvez não haja clima político para algum avanço porque as relações de poder estão contaminadas pela disputa eleitoral. Mas é preciso levar a sério o que o ministro está dizendo agora, mesmo que ele próprio não acredite no seu sucesso.