O Globo |
2/2/2006 |
Planos da Petrobras O projeto do gasoduto para trazer gás da Venezuela não é uma idéia de Hugo Chávez, mas um plano que nasceu na cabeça de Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da Petrobras, garante o presidente da empresa, José Sergio Gabrielli. Ele acha que construir o duto, que cortará a Amazônia, levará dez anos para ser feito e custará US$ 23 bilhões, não apenas é viável como estratégico para a união energética da região. Gabrielli não tem medo de Evo Morales. Ele não acredita que o novo governo da Bolívia vá tomar qualquer medida contra os interesses da Petrobras. Sua segurança vem do tamanho da empresa na Bolívia e da importância da Bolívia para o Brasil. Essa interdependência dá a ele confiança de, inclusive, continuar investindo num país onde os líderes têm falado palavras como nacionalização, estatização e expropriação. Gabrielli diz que vai aumentar os investimentos na Bolívia. A Petrobras é até maior lá do que tem sido dito. Ela tem 100% da capacidade de refino de gás que abastece o mercado interno boliviano de combustível. Produz 50% do gás no país. Na época da privatização do setor na Bolívia, foi impedida de comprar reservas existentes. A modelagem, feita para afastá-la, estabelecia que as reservas seriam vendidas para empresas que tivessem grau de investimento. A Petrobras participou da licitação para os novos campos e fez descobertas que aumentaram extraordinariamente as reservas. A propósito, a empresa que era grau de investimento e comprou a maioria das reservas existentes, por ironia do destino, é a Enron, que depois quebrou no escândalo das fraudes contábeis. A Bolívia fornece 50% de todo o gás consumido no Brasil; 27 milhões de metros cúbicos por dia. Mas o consumo aqui vai dobrar até 2010. Mesmo aumentando a produção doméstica, a partir da entrada em operação de Santos, a Petrobras acha que só atende à demanda se elevar seu investimento na Bolívia. — Pela lei de hidrocarburos de 2005, no país, o gás é do Estado boliviano. Isso já está decidido, mas temos contratos de abastecimento até 2019. O que o governo boliviano tem falado é em recriar a YPFB e transformá-la em sócia da Petrobras nas refinarias — diz Gabrielli. Ele esclareceu que essa participação acionária terá que ser comprada pelo governo boliviano: — Não temos condições de dar nada — afirmou. A idéia do gasoduto de 4.000 km cortando a Amazônia, o Pantanal, atravessando o país inteiro para trazer o gás venezuelano para os centros consumidores de Brasil, Argentina e Chile, segundo Gabrielli, justifica-se por ser um projeto de uma rede de consumidores, e não uma ligação ponta a ponta: — O projeto passará por áreas onde há grande chance de instalação de indústrias de alumínio, áreas com mais densidade de consumidores e, através dos ramais, vai atingir muitos centros consumidores do país. Há vários obstáculos, além dos óbvios problemas ambientais. Um deles é quem vai financiar uma obra deste tamanho e com este custo. Para se ter uma idéia, o caro gasoduto Bolívia-Brasil custou US$ 1,5 bilhão; este custaria 15 vezes mais. Um dos financiadores terá que ser a Argentina, país que tem hoje tarifas congeladas e artificiais e onde as empresas de energia pararam de investir por causa do artificialismo na formação dos preços. Aliás, um detalhe curioso é que a Petrobras subsidia o consumidor argentino duplamente. Primeiro, através da venda de gasolina no país. O preço lá está congelado em US$ 30 o barril. Segundo, porque fornece parte do gás boliviano que é vendido para a Argentina. A Petrobras paga à Bolívia um preço maior do que a Argentina paga a ela. Gabrielli explica que o preço pago pelo Brasil é contratual e embute o custo de construção do gasoduto. Em março, com a P-50, a Petrobras abrirá a temporada de comemoração da auto-suficiência, mas em janeiro, na prática, o país já produziu o mesmo volume de petróleo que consumiu. A comemoração terá tudo o que tem direito, inclusive programas com as escolas para divulgar o feito da empresa. Gabrielli não se preocupa com o risco de que isso seja feito de forma a parecer uma propaganda do governo Lula. Está convencido de que a companhia se fortaleceu no governo petista: — Ela estava preparada para ser privatizada, tinha reduzido sua participação na exploração e se transformado em uma companhia financeira — diz. O governo passado nunca fez qualquer movimento de privatização, mas Gabrielli garante que o PT salvou a empresa desse destino. Ele também defende calorosamente sua decisão de ter aparecido no programa de propaganda partidária, atitude tão criticada, inclusive aqui neste espaço: — Sou militante do PT há muitos anos e tenho o direito de manifestar minha opinião. O mercado não reprovou, tanto que as ações subiram aqui e lá fora. Aliás, as ações da companhia só fazem subir desde que eu assumi. A Petrobras tem números, histórias e projetos de derreter o mais empedernido pessimista, mas é um erro grave misturar partido e empresa. O sonho nasceu lá atrás, tem o dobro da idade do PT, e a companhia foi financiada, ao longo de grande parte da sua vida, pelo dinheiro de todos os brasileiros. Apresentar a vitória como petista é apequenar a história da empresa e distorcer os fatos. Mais do que isso é apropriar-se, para interesses partidários, de um bem que é público. O nome disso é patrimonialismo, uma velha chaga nacional. |
Entrevista:O Estado inteligente
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