Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Celso Ming - Para eles, tudo




O Estado de S. Paulo
2/2/2006

O ntem, o governo Lula sucumbiu às pressões do governo da Argentina e fechou um acordo de salvaguardas altamente favorável aos interesses argentinos. Denomina-se eufemisticamente Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC).
Prevê esquemas de proteção do mercado interno cada vez que se comprove "dano importante" ou "ameaça de dano" a um setor por importações do país vizinho. Impõe limites ao que os diários argentinos chamam de "invasión brasileña".
Na prática, sempre que o sistema produtivo argentino não for competitivo, entra em cena o dispositivo que trava as exportações brasileiras. Não é um protocolo do Mercosul. Restringe-se, por ora, ao comércio bilateral.
O mais surpreendente é que o país que se considere lesado pode impor restrições comerciais imediatas, em caráter provisório, sem ter de esperar entendimento prévio, desde que diante de "situação de urgência", que, claro, será avaliada unilateralmente.
São restrições que trombam com a letra e o espírito dos tratados do Mercosul, que prevêem livre fluxo comercial entre os países do bloco. Mais do que isso, admitem para integrantes de uma união aduaneira regras de exceção mais duras do que as previstas na Organização Mundial do Comércio. É como aceitar redução da quadra do adversário sempre que um tenista estiver massacrando o outro.
A duração das restrições não deve ultrapassar três anos, prorrogável por mais um. Mas já se sabe como essas coisas funcionam no Mercosul. O que é temporário vai sendo prorrogado e não termina nunca, como as exceções para o setor automotivo.
A letra do protocolo determina que, a cada restrição comercial, o país que a adotou tome providências para ajustar sua economia. Não está claro como isso será controlado.
Como os argentinos têm-se mostrado pouco dispostos a investir em aumento de produtividade, é provável que essas restrições facilitem a entrada na Argentina dos produtos fabricados por outros países, especialmente os asiáticos. Isso já acontece em vários segmentos, como o dos têxteis, calçados, bens de capital e aparelhos domésticos.
Brasil e Argentina comprometem-se a impedir desvios de comércio. Falta saber como isso poderia funcionar.
A única vantagem que esse acordo traria para o Brasil seria evitar fatos unilaterais consumados. Mas os artigos 16, 19 e 20 prevêem que, na falta de acordo, o país importador baixe essas restrições por conta própria. Assim, o Brasil terá de aceitar por decisão sua o que antes podia denunciar como jogo desleal.
Não é verdade que o Brasil esteja sendo comercialmente beneficiado pelo Mercosul. Como se vê na tabela, em 1994 as exportações brasileiras para os outros três países membros do Mercosul alcançavam US$ 7,3 bilhões. Em 2005, foram de US$ 11,7 bilhões. Aos desavisados esses números passam a impressão de que o salto de 60,3% em 11 anos comprova a importância do Mercosul como destino das exportações brasileiras. Mas em 1994 os despachos para o Mercosul representavam 15,3% das exportações totais, em 2005 caíram para 9,9% e, em janeiro deste ano, para apenas 9,3%. Esses números demonstram que o bloco está perdendo importância como mercado para o Brasil, e não o contrário. Se as restrições crescerem, como o acordo prevê, as perdas aumentarão.
Com o que ficou decidido, esqueçam os investimentos no Brasil como plataforma de exportação para o Mercosul.

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