O GLOBO
PARIS. O crescimento das economias da China e da Índia aumenta também suas necessidades de recursos naturais, e os dois países serão nos próximos anos os maiores responsáveis pelo consumo de energia no mundo. Mesmo que Zeng Peiyan, vice-premiê da República Popular da China, tenha garantido, durante o Fórum Econômico Mundial, que o aumento do consumo nos próximos anos não será problema, pois “a China não é apenas um grande consumidor de energia, mas também um grande produtor, capaz de suprir mais de 90% de sua própria demanda de energia”, o mundo anda preocupado com o apetite, e a falta de controle no uso de recursos naturais nas duas economias.
Apesar de também a Índia anunciar que terá capacidade de produzir energia suficiente para seu consumo, Elizabeth C. Economy, especialista em Ásia do Council on Foreign Relations, dos Estados Unidos, alertou para o fato de que “a menos que os avanços tecnológicos proporcionem um aumento dramático da produção, o mundo seria ‘louco’ de não reconhecer a escala, a rapidez, o tamanho e o escopo” dessa transformação e seu impacto no cenário da energia mundial.
Pois é esse impacto que inquieta o leitor Jorge Eduardo da Silva Tavares que, ao ler minha coluna sobre a visão otimista do jornalista Thomas Friedman e de Bill Gates sobre o futuro do mundo com o crescimento econômico da China e da Índia, escreveu criticando o livro de Friedman “O Mundo é Plano” e citando como contraponto um outro livro, “Colapso”, de Jared Diamond, professor de geografia e de meio ambiente da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) que aparece em nono lugar na recente lista dos cem maiores intelectuais públicos da atualidade, da revista “Foreign Policy”.
No livro, Diamond adverte que por trás das impressionantes estatísticas sobre a escala e o crescimento da economia da China, esconde-se o fato de que muito dela se baseia em tecnologia obsoleta, ineficaz, ou poluidora. Segundo Diamond, “se a China conseguir alcançar parâmetros de Primeiro Mundo, isso quase dobrará o uso humano de recursos e o impacto ambiental mundiais”, diz ele.
Ele acha, no entanto, pouco provável que o uso de recursos e o impacto ambiental mundiais possam ser mantidos como estão. “Algo terá de ceder. Esta é a principal razão por que os problemas da China automaticamente se tornam problemas do mundo.”
O ex-presidente do IBGE, economista Sérgio Besserman, um especialista em meio ambiente, também cita o livro de Diamond, ressaltando a propósito que “os recursos da terra estão sendo devastados”. Ele acha que a China terá que adotar “outros padrões de compreensão e gestão da questão ambiental , porque o mundo, e a população chinesa, serão forçados a exigir isso do governo chinês”.
Já o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que tem sugerido a leitura do livro em suas palestras, acha que ele tem um interesse “que transcende de muito a questão da preservação do meio ambiente, ou da pressão demográfica por recursos tidos como escassos”. Malan ressalta que o tema central do livro está expresso no subtítulo “como sociedades escolhem se tornar bem sucedidas ou fracassar”, um aparente paradoxo: pode uma sociedade escolher, deliberadamente, fracassar?
Malan lembra que há vários capítulos do livro que mostram que sim: “Com diferentes graus de consciência sobre o processo, sociedades podem, por ações e/ou por omissões, ser bem sucedidas, ou fracassar, (ou viver em ‘apagada e vil tristeza’)”. Ele cita o caso do Haiti e de vários países da África ao sul do Sahara, como exemplos “de muito, mas muito mais que um fracasso ambiental”.
Malan chama a atenção para o capítulo do livro que tem como titulo “Por que algumas sociedades tomam decisões desastrosas”. Centrado na questão de fracassos no processo decisório de um grupo, comunidade ou sociedade, explora quatro razões: (a) fracasso em antecipar um problema antes que este se configure como tal. (b) incapacidade de perceber a natureza do problema (c) após percebê-lo, fracasso em tentar resolvê-lo (d) tentar resolvê-lo e fracassar na empreitada.
Mas Malan acredita que “há um aprendizado coletivo em sociedades minimamente organizadas que permite extrair lições das próprias experiências, bem como da experiência de outros (erros e acertos, em ambos os casos). Além disso, há sempre um debate multilateral em curso sobre temas que transcendem a fronteiras de um país específico”.
A própria questão que lhe apresentei, sobre o “perigo de devastação do meio ambiente para as civilizações” e se estamos chegando “a este ponto de ameaça com o crescimento desenfreado de China e Índia?”, traz consigo, para Malan, o próprio antídoto, “que é não só a consciência maior do problema, como também efetivos processos de ajuste, ainda que não no curto prazo. O que o mundo desenvolvido economizou no uso de petróleo por unidade de produto desde os anos setenta foi algo extraordinário”.
Para ele, “o preço elevado hoje, principalmente se mantido por algum tempo, levará à busca de maior eficiência no seu uso e à maior utilização de fontes alternativas — algumas das quais de nosso profundo interesse”. Portanto, lembra Malan, “devemos adotar uma visão de mais longo prazo e lembrar, por exemplo, das advertências do Clube de Roma no início dos anos 70, sobre a exaustão de recursos naturais, para não falar em Malthus no século XIX. Há mais flexibilidade, capacidade de adaptação, e de aprendizado coletivo do que sugerem mecânicas extrapolações de tendências de um passado recente”.