Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 19, 2006

Editorial da Folha de S Paulo

A CEIA DOS CARDEAIS
Alckmin ou Serra? Serra ou Alckmin? Com sofrível qualidade cênica, o "pas de deux" entre o prefeito e o governador de São Paulo arrasta-se pelos salões peessedebistas há várias semanas, e vai cansando o eleitorado. Avaliam-se, comparam-se, medem-se e desmedem-se as possibilidades de cada um na disputa presidencial, e todo esse complexo entrecruzar-se de interesses, alianças, amuos e vaidades resulta num espetáculo vazio e desgastante.
Não cabe a este jornal opinar sobre o que convém ou não a determinado partido político -e um tema desses, no caso do PSDB, exigiria provavelmente todo um congresso internacional de sociólogos e cientistas políticos para que pudesse finalmente ser colocado em seus devidos termos. O emperramento decisório que atualmente ocupa o tucanato pode levantar, entretanto, questões de ordem mais ampla: trata-se de comentá-lo a partir da ótica da modernização institucional, da transparência no exercício da política e do fortalecimento do sistema partidário brasileiro em seu conjunto.
Nesse sentido, é desalentador que, numa democracia que se quer moderna e participativa, restrinja-se a três ou quatro cardeais, reunidos em torno de pratos lautos e garrafas de bom vinho, a decisão sobre quem irá candidatar-se à Presidência da República num dos mais importantes partidos do país. Um conchavo ao velho estilo se prolonga, entre sutilezas, pavoneios e despistes, sem que nenhuma instância democrática, sem que nenhum mecanismo decisório objetivo e impessoal venha a se constituir. Fosse por uma ampla pesquisa de opinião, por meio de prévias ou de uma convenção digna desse nome, haveria como tornar mais público e democrático o processo em curso.
Que uma opção desse tipo seja mais interessante a um ou outro dos postulantes, pouco importa. Um confronto mais transparente e aberto, no PSDB ou em qualquer outro partido, só poderia contribuir no sentido de apresentar ao conjunto do eleitorado quais são, afinal, as propostas em jogo para o país.
Que diferenças, na prática, opõem Serra a Alckmin? Tudo se tem limitado a apreciações subjetivas e ao cálculo das porcentagens nas pesquisas eleitorais. Que compromissos cada um deles está disposto a assumir em questões como a da descriminação do aborto, das cotas para negros nas universidades, das metas para o superávit fiscal? Talvez justamente a idéia de assumir compromissos públicos esteja em desuso -e seja mais cômodo fazer da atividade política uma cerimônia sereníssima, a que o distinto público deva assistir com reverências de basbaque.
Por trás dessas movimentações exasperantes, há um comportamento político que não deixa de ser típico das lideranças peessedebistas: seu firme empenho em jamais abrir mão de coisa nenhuma, em sempre recuar diante de definições reais. São progressistas e conservadores, defendem o parlamentarismo e a reeleição presidencial, mergulham na política sem perder o ar superior.
Equilíbrio, responsabilidade e prudência são qualidades importantes na política: mas o senso do desprendimento, da coragem e da clareza também. Não é ao longo de inconsúteis conversas de sacristia que numa democracia moderna se revelam homens de Estado.

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