O câmbio segue sua trajetória em direção aos R$ 2 por dólar. Ninguém se arrisca a antever o fundo desse poço. Os tempos são de real forte e nada parece capaz de mudar essa escrita.
Há alguns meses, os exportadores reclamavam estrepitosamente. Queriam ação do Banco Central, a bóia salvadora disponível. Mas já não há mais passivo em dólares a trocar por dívida em reais e as reservas líquidas acumuladas pelo Banco Central ultrapassam os US$ 57 bilhões. Crescem as críticas de que essa operação está sendo desvantajosa porque exige recursos públicos e emissão de títulos públicos que custam juros mais altos do que os obtidos lá fora pela aplicação dessas reservas.
As reclamações se multiplicam, mas ainda não surgiu proposta capaz de estancar a queda do dólar. A reforma do câmbio tal como proposta pela Fiesp ainda tem de tramitar no Congresso, levará meses para ser aprovada (se for) e, por ora, não ajudará no alívio das agruras dos exportadores. Talvez não ajude nem depois de aprovada, porque não será mais um grau de liberação do câmbio que garantirá a desvalorização do real.
Uma medida de política econômica com força para virar o jogo seria a desoneração das importações. Mas os empresários fogem disso porque temem o derrame de produtos chineses.
No mais, há as idéias de sempre. Uma delas é derrubar os juros. Parte do princípio de que o principal responsável é a moleza obtida com operações de arbitragem no mercado financeiro: o especulador levanta empréstimos em dólares no exterior a 7% ao ano, despacha-os para o Brasil, onde aplica o dinheiro a 17%, e embolsa a diferença. Mas a entrada insignificante de "dólares financeiros" mostra que não dá para botar muita fé nesse diagnóstico.
Se é para responsabilizar os juros, é preciso também aceitar que eles só estão onde estão porque o setor público gasta demais e que, para combater a inflação, o Banco Central tem de forçar a mão na política monetária. Nessas condições, para provocar a desvalorização do real, seria preciso que o setor público cortasse corajosamente suas despesas.
E aí voltamos à proposta do déficit nominal zero (e variações), do ex-ministro Delfim Netto. O governo Lula até agora não deu sinais de que topou a idéia.
Enfim, as operações de arbitragem com juros são apenas um pedaço da história. Os juros externos estão subindo e continuarão assim; os juros internos estão caindo e seguirão caindo. E, no entanto, já não dá para garantir que juros muito mais baixos (quando chegarem lá) conseguirão afinal inverter a trajetória. Ao contrário, queda consistente dos juros reflete a melhora das condições da dívida pública e isso pode atrair mais capitais, em vez de estancar sua entrada.
Dois outros fatores explicam melhor o que se passa. Um é o choque das exportações: como a fome de matérias-primas das novas potências econômicas asiáticas, especialmente China, Índia e Coréia do Sul, empurra as exportações brasileiras.
Alguns economistas chamam o resultado disso de doença holandesa, já examinada nesta coluna. Quem pensa assim entende que o exportador derruba mais o dólar do que os juros escorchantes. O antídoto seria o encorajamento das importações, já mencionado.
Outra explicação é a notória melhora das condições da economia, especialmente a "vulnerabilidade externa" - propensão ao sangramento de divisas.
Se o prêmio de risco pago pelos títulos brasileiros está caindo o que se sabe e se não há por que temer fuga de capitais, então é preciso entender que os fundamentos da economia brasileira estão melhorando e que isso fortalece o real.