Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 19, 2006

ALBERTO TAMER Bernanke fala, mas não muda nada

ESTADÃO


Bernanke fez o testemunho de dois dias no Congresso americano, a mídia toda se agitou, mas ele não disse nada mais do que já havia dito. Muita onda, poucos fatos novos.

Pesquisas sérias feitas pelas agências especializadas com mais de 20 acadêmicos, bancos e analistas financeiros, nos EUA, além de operadores do mercado, chegam à mesma conclusão; o mundo pode ficar tranqüilo porque nada vai mudar a curto prazo. Nem lá fora, nem aqui no Brasil, onde derrubar o dólar para ganhar votos virou tema eleitoral. Imaginem só, o dólar reelegendo Lula...

Há alguns pontos interessantes nos depoimentos do novo presidente do Fed:

1 - Bernanke não vê maior risco especial de pressão inflacionária que venha a ser provocada pelo aumento eventual dos preços do petróleo. "A possibilidade de uma alta significativa nos preços da energia representa um risco adicional, mas ele é mais hipotético do que os riscos da própria inflação." Ou seja, a economia dos EUA já absorveu preços do petróleo muito mais altos e a inflação não explodiu.

2 - Ele chama mais a atenção para a persistente e forte expansão do mercado imobiliário nos últimos quatro anos, da ordem anual de 10%. É um setor vital, pois vem sustentando o crescimento, criando empregos e consumo de vários produtos, além de mais poder aquisitivo.

Os parlamentares se manifestaram, pressionaram muito e mostraram preocupação com uma desaceleração rápida. "Baixa taxa de juros, junto com a expansão das folhas de pagamentos (provocada pela maior contratação de mão-de-obra), mais as reconstruções decorrentes dos furacões, devem continuar sustentando o mercado imobiliário. Assim, neste momento, uma estabilização ou um modesto arrefecimento da atividade é mais provável do que uma forte contração", disse Bernanke. Ou seja, também por aí, ele não vê maior risco.

MAIS E MAIS IMÓVEIS

Para avaliar a importância que Bernanke dá à área imobiliária, cerca de 836 mil empregos foram criados entre 2001 e o ano passado, de um total de 2,3 milhões. E isso só na contratação de mão-de-obra utilizada nos vários segmentos da construção. O economista-chefe da Merril Lynch, David Rosenberg, estima que o setor imobiliário corresponde a 70% dos empregos criados desde 2001. O Departamento do Comércio informa também que os setores correlatos à construção civil, como móveis, eletrônicos, acrescentados a veículos, praticamente triplicaram em janeiro.

E A INFLAÇÃO? E O DÉFICIT?

Preocupam, sim, estão na mesma prioridade de antes. "Há um risco potencial e mais aumentos de juros poderão ser necessários", diz Bernanke. Mas, aqui, acrescenta "tanto quanto à inflação, quando ao crescimento econômico)". O Fed continuará atento não só a um (como no Brasil), mas a dois temas.

BERNANKE CONFORTÁVEL

Não se vê um superaquecimento. O desemprego está nos níveis mais baixos da história, 4,7%, a previsão do Fed é de crescimento do PIB em torno de 3,5% neste ano e a inflação, excluindo alimentos e energia, deve ficar um pouco abaixo de 2%. "Sinto-me confortável com esses dados", disse Bernanke.

QUANTO AOS CHINESES...

Quanto aos déficits, ele acredita que será preciso um prazo longo, talvez dez anos, para reverter os 6% do PIB. Prudente, acha "muito difícil prever quanto tempo isso levará". E, mais prudente ainda, evitou qualquer crítica à atual política cambial e comercial da China. Não se mostrou favorável a sanções comerciais, "pois não é boa idéia desfazer alguns dos ganhos que obtivemos em termos de comércio com a economia mundial".

E, como se não bastasse esse sinal de paz, Bernanke prefere outras alternativas mais eficientes do que " minúsculos atos para fortalecer o yuan". Afinal, ele sabe que vem da China o financiamento dos déficits americanos, mas muito do que a China está exportando para os EUA contém partes importantes de itens importados do próprio mercado americano. E que praticamente todas as grandes empresas americanas estão instaladas no território chinês, onde os produtos made in America viram produtos made in China, com grandes lucros para as empresas americanas.

E os outros, como nós? Ora, que se virem. Não foi bem isso que disse, mas deu a entender.

E NÓS PERDEMOS ESPAÇO

O Brasil está perdendo vertiginosamente espaço nos EUA e na UE para a China e a Índia. Quem conclui isso é um estudo da MB Associados, do respeitado economista José Roberto Mendonça de Barros, publicado, na quinta-feira, no Valor , pela repórter Raquel Landim, que tem feito bem documentadas matérias sobre as relações Brasil/China. "Em ritmo acelerado, americanos e europeus estão aumentando o consumo de automóveis, máquinas, produtos químicos e até aço da China e da Índia, em detrimento do Brasil. E isso naqueles produtos manufaturados em que possuímos maior tradição e especialização", constata Sergio Vale, da MB Associados.

Em quadros esclarecedores, Raquel mostra que, entre 1999 e 2004, o período coberto pela MB, as exportações brasileiras de químicos orgânicos para os EUA aumentaram 64% e 44% para a UE. E querem mais? Pois aí vai para concluir: "Nesse mesmo período as vendas chinesas cresceram 172% para o mercado americano e 74% para a Europa. E os indianos venderam 153% a mais para os EUA e 83% mais para a Europa."

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