Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, maio 08, 2005
O programa Fala ZeroJOÃO UBALDO RIBEIRO
Como diversos entre vocês (a palavra “como”, no caso, não é verbo, faço questão de esclarecer), fiquei um pouco surpreendido com a iniciativa do governo em orientar o uso da língua para o politicamente correto. Digo “um pouco” porque espero patadas desse governo com regularidade e os brasileiros estão acostumados a ele meter o bedelho em tudo. Mas, se a surpresa foi pouca, a reação não pode ser, porque, demonstra a História, é assim que começa. Vão tomando um dedinho, a gente deixa, aí tomam a mão, tomam o braço, tomam o tronco e quando a gente (aliás, “gente”, assim como “pessoa”, não devia ser palavra feminina, porque há o risco de ofender homens extremadamente ciosos de sua masculinidade; tentemos empregar, por exemplo, “gento” e “pessôo” ao nos referirmos ao sexo masculino e “genta” ao feminino) se dá conta, já tomaram o corpo todo. Eu pensava que uma secretaria de Direitos Humanos se ocuparia basicamente de direitos elementares, como saúde, educação e segurança. Mas é bobagem, porque já estamos bem cuidados(as) nessas áreas, qualquer um(a) sabe. Cabe agora baixar instruções sobre a linguagem autorizada. Precisando conseguir empregos para quem é companheiro e está necessitado de um trocado às nossas inesgotáveis custas, criam-se cargos que não têm o que fazer e os ocupantes e ocupantas desses cargos produzem idéias brilhantes como essa, de criar uma espécie de Socila (lembram a Socila?) para o povo (ou a pova) falar direito e não nos fazer passar vexame (que, aliás, em certas áreas do país, é sinônimo de dor de barriga) a tempa toda, como de hábito. Com toda a certeza, as instruções que já foram ventiladas são fruto de vasto mapeamento lingüístico, filológico e sociológico, que deu autoridade a seus(suas) formuladores(as) para estabelecer o que é aceitável no falar e no trato social, que é uniforme em todo o(a) nosso imenso(a) Brasil e, se não é, vai ter que ser. Imagino que algum(a) deputado(a) já esteja até apresentando projeto de lei cujo primeiro artigo, que vai resolver logo tudo com uma canetada, rezará “todo brasileiro e toda brasileira é obrigado(a) a ser bem-educado(a), tratar todo(a) mundo(a) bem e não proferir palavras ou expressões não constantes do Vocabulário Petista da Língua Portuguesa Falada no Brasil”. Parece talvez simples, mas é tarefa hercúlea, eivada de armadilhas insuspeitadas. Quem usa expressões como “negro de alma branca” é, na minha opinião, um(a) óbvio(a) babaca(o), mas não se atenta o suficiente para o outro lado. E “passar pela vida em brancas nuvens”, por exemplo, que tem clara (escura, aliás; por que claro é que é claro e escuro não é claro? — discrimination, discrimination) conotação negativa, ofendendo assim os numerosos arianos brasileiros, dos quais, na Bahia, eu mesmo conheço dois? “Agora me deu um branco”, nem pensar. “Entregar a prova em branco”, assim vinculando ignorância ou falta de cumprimento dos deveres escolares aos brancos, também tem de ser evitado(a). Não esqueçamos tampouco nossos(as) irmãos(ãs) orientais e, quando um(a) locutor(a) esportivo(a) disser que tal ou qual time(a) amarelou, deverá receber cartoa vermelha, para deixar de ser insensível e preconceituoso(a), eis que os(as) amarelo(as) são tão valorosos(as) quanto os(as) membros(as) de outras raças. Na minha condição de baiano, passo a semana em prantos, quando alguém classifica alguma coisa de “baianada”. Imagino como não devem sentir-se os(as) beócios(as) e capadócio(as) ainda hoje existentes, para não falar nos(as) eslavo(as), cuja designação quer dizer “escravo”. E programa de índio(a), meu Deus, a que ponto chegará o desrespeito? Na Bahia, um determinado corte de carne (lombo) se chama “paulista” e é caso de intervenção federal naquele revoltante estado da federação, onde passa absolutamente impune as(os) pessoas(os) dizerem que hoje vão comer um paulista. E as palavras chulas, que aos montões (ou montanhas) se insinuaram no nosso falar decente mas incauto? Não sei se a distinta senhora ou o amável cavalheiro ou até mesmo a(o) criança(o) que me lêem sabem que, ao mencionar “fosso”, usam a forma portuguesa do particípio passado de um verbo latino que não ousa dizer seu nome em forma impressa, pelo menos na maior parte dos jornais e que quer dizer isso mesmo que você está pensando. A língua portuguesa é muito imperfeita e até mesmo nossa espécie é designada pelo nome de “homem”, que deplorável atraso! Claro que temos de usar “ser humano” e “serhumanidade”. E, evidentemente, há que levar-se em conta os brios de muitos animais e, assim, passarmos o que admito ser um certo risco, mas que vale a pena pelo bem da pátria (mátria). Ou seja, ao nos referirmos a uma onça, é indispensável procurar examinar o animal em questão nas suas partes íntimas, para nos certificarmos de que não se trata de um onço, que do contrário teria sua virilidade agredida. Para não falar num rosário deles e já posso prever a revolta dos cobros, dos tartarugos, dos borboletos, dos garços, dos formigos, das jacaroas, das morcegas, das tatuas, das crocodilas, das bem-te-vias, das urubuas e de tantos(as) e tanto(as) outros(as) que, assim, ajudam sem querer a preservar o sexismo na nossa maneira de pensar. Acho que vou me juntar à ala radical desse movimento, que culminará certamente na instituição do programa Fala Zero e do Silêncio Participativo, o que não atingirá, para aflição de muitos, o nosso presidente. O qual, aliás, como me disse um alto funcionário (perdão; servidor) da República, não tinha conhecimento dessa cartilha. — Creio que Sua Excelência não tem conhecimento de cartilha nenhuma — respondi eu, possivelmente cometendo uma pequena injustiça, mas não dava para deixar de aproveitar bola tão bem levantada.
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